O caso Mindszenty (III): O beijo de Judas.

Leia também os posts anteriores sobre O caso Mindszenty.

Mindszenty na sacada da embaixada dos EUA, em Budapeste.Em 1956 Stalin estava morto e Khrushchev estava fazendo alguns ruídos incomuns. Em outubro, os Húngaros levantaram-se em revolta. Mindszenty não tinha sinais do que estava acontecendo nas ruas; seus guardas disseram-lhe que a multidão fora da prisão estava gritando por seu sangue. Poucos dias depois ele foi solto e realmente uma multidão de locais o atacou. Mas em vez de rasgarem sua carne, agarravam o herói liberto para beijar suas roupas. Quando ele retornou a Budapeste, os Vermelhos depostos tremiam diante deste fantasma que não permaneceria enterrado, contudo, numa transmissão de rádio ele aconselhou contra a vingança. Os Soviéticos não eram tão clementes e tanques rugiam para esmagar este desagradável incidente. Homem marcado, Mindszenty procurou asilo na embaixada Americana como seu último recurso. Agora um longínquo segundo purgatório tinha começado. Pio [XII] ergueu sua voz repetidamente contra esse último exemplo do terror Soviético, mas o Ocidente, descuidado de sua própria retórica libertadora, estava surdo.

Quando The Prisioner [ndt: um filme a respeito do caso do Cardeal Mindszenty] foi lançado, a Igreja era ainda a implacável inimiga do comunismo. O frágil Pio [XII] permaneceu como um Colosso contra o totalitarismo tanto de direita como de esquerda. Quando Pio deixou esse mundo sobreveio um vazio moral no Vaticano que nunca foi preenchido. No começo da década de 60, tanto os governos do Ocidente como os Papas do Novus Ordo decidiram que o entendimento com os Comunistas era preferível às noções arcaicas de Pio e Mindszenty. João XXIII e seu sucessor Paulo VI deram boas vindas ao sopro de ar fresco na Igreja, e em seu aroma estava incluído a cooperação com os Vermelhos. A nova Ostpolitik, gerenciada pelo Secretário de Estado de Paulo VI, Agostino Casaroli, não tinha espaço para guerreiros Cristãos do tipo de Mindszenty. A posição do governo Húngaro foi fortalecida quando Casaroli entrou em negociações com o apavorante regime de Janos Kadar. Enquanto a Guerra Fria derretia, o gelo era colocado em Mindszenty. O governo Americano fez-se compreender que ele não era mais bem-vindo na embaixada. Pior ainda, Paulo [VI] mandou um funcionário para persuadir Mindszenty a partir, mas apenas após assinar um documento cheio de condições que favoreciam os Vermelhos e essencialmente culpava a si mesmo por suas provações. A confissão de que os Comunistas não poderiam torturá-lo estava lhe sendo forçada pelo Papa!

Mindszenty e Paulo VIRetirado de sua terra nativa contra sua vontade, Mindszensty celebrou Missa em Roma com Paulo [VI] em 23 de outubro de 1971. O Papa lhe disse, “Você é e permanece arcebispo de Esztergom e primaz da Hungria”. Era o beijo de Judas. Por dois anos Mindszenty viajou, um vivo testamento da verdade, um homem que foi torturado, humilhado, aprisionado e finalmente banido dos interesses da Igreja. No outono de 1973, enquanto se preparava para publicar suas Memoirs, revelando a história toda ao mundo, ele sofreu a traição final. Paulo [VI], temeroso de que a verdade arruinaria o novo espírito de coexistência com os Marxistas, “pediu” a Mindszenty que renunciasse a seu cargo. Quando Mindszenty recusou, Paulo [VI] declarou sua Sé vacante, dando aos Comunistas uma vitória esmagadora.

Se a história de Mindszenty é a do surgimento e queda da resistência do Ocidente ao comunismo, é também a crônica do auto-enfraquecimento do Catolicismo.

Excertos de Shooting the Cardinal, por Steve O’Brien – Ph.D. em história pelo Boston College e autor de Blackrobe in Blue: The Naval Chaplaincy of John O. Foley, S.J., 1942-46

O caso Mindszenty (II): Você também confessaria.

Leia também: O caso Mindszenty (I): “Arranquem suas línguas”

Olhemos primeiro para o caso do Cardeal Mindszenty, acusado de enganar o povo Húngaro e colaborar com os inimigos, os Estados Unidos. Em sua exposição sobre o aprisionamento do Cardeal Mindszenty, Stephen K. Swift graficamente descreve três típicas fases no “processamento” psicológico de prisioneiros políticos. A primeira fase é dirigida a extorquir a confissão. A vítima é bombardeada com perguntas dia e noite. É inadequadamente e irregularmente alimentada. Não lhe é concedida quase nenhum descanso e permanece na câmara de interrogatório por horas sucessivamente enquanto seus inquisidores se revezam. Fome, exaustão, vistas embaçadas e doloridas sob lâmpadas fortíssimas, o prisioneiro torna-se pouco mais que um animal caçado.

  • “… quando o Cardeal estava de pé por sessenta e seis horas [relata Swift], ele fechou seus olhos e permaneceu calado. Nem mesmo respondeu as perguntas com negações. O coronel encarregado do turno bateu no ombro do Cardeal e lhe perguntou por que não respondia. O Cardeal respondeu: ‘Termine tudo. Mate-me! Estou pronto para morrer! ’ Disseram-lhe que nenhum mal lhe aconteceria; que poderia terminar tudo isso simplesmente respondendo a certas questões.
  • “… Pela manhã de Sábado ele dificilmente poderia ser reconhecido. Pediu por outra bebida e desta vez recusaram-lhe. Suas pernas e pés se incharam de tal maneira que lhe causavam intensa dor; caiu diversas vezes”

Cardeal Mindszenty

Aos horrores que as vítimas acusadas sofrem “de fora” devem ser acrescentados os horrores “de dentro”. Ele é perseguido pela instabilidade de sua própria mente, que não pode sempre produzir a mesma resposta a uma questão repetida. Como um ser humano com uma consciência, ele é perseguido por possíveis sentimentos de culpa escondidos, por mais piedoso que fosse, que minam sua compreensão racional de inocência. O pânico do que sofre lavagem cerebral é a total confusão que ele sofre sobre todos os conceitos. Suas avaliações e normas estão destruídas. Já não pode mais crer em nada objetivo exceto na lógica ditada e doutrinada daqueles que são mais poderosos que ele. O inimigo sabe que, muito além do exterior, a vida humana é feita de contradições interiores. Ele usa esse conhecimento para vencer e confundir aquele que sofre a lavagem. A contínua alternância entre os interrogadores torna ainda mais impossível crer num pensamento concatenado. Dificilmente a vítima se ajustou a um inquisidor quando ela tem que mudar seu foco de alerta para outro.

Ainda, esse conflito interno de normas e conceitos, essa contradição interna de ideologias e crenças é parte da doença filosófica de nossos tempos!

Como um ser social, o Cardeal é perseguido pela necessidade de bons relacionamentos humanos e companheirismo. A sugestão constantemente reiterada de suas culpas o empurra para a confissão. Como um indivíduo sofredor ele é chantageado por uma necessidade interna de ser deixado sozinho e despreocupado, mesmo que por poucos minutos. De dentro e de fora ele é inexoravelmente levado a assinar a confissão preparada por seus perseguidores. Por que ele deveria resistir ainda mais? Não há testemunhas visíveis para seu heroísmo. Ele não pode provar sua coragem moral e retidão após sua morte. O coração da estratégia da lavagem cerebral é retirar toda esperança, toda antecipação, toda crença no futuro. Ela destrói os próprios elementos que mantém a mente viva. A vítima está absolutamente sozinha.

Se a mente do prisioneiro se mostra muito resistente, narcóticos são dados para confundi-la: mescalina, maconha, morfina, barbiturato, álcool. Se seu corpo sofre um colapso antes de sua mente capitular, ele recebe estimulantes: benzedrina, cafeína, coramina, todos para ajudá-lo a preservar sua consciência até confessar. Muitos dos narcóticos e estimulantes que ultimamente ajudam a induzir a dependência mental e leva à confusão podem também criar uma amnésia, comumente um completo esquecimento da própria tortura. As técnicas de tortura conseguem o efeito desejado, mas a vítima esquece o que realmente aconteceu durante o interrogatório. Os clínicos que fazem trabalho terapêutico com derivados de anfetaminas que quando injetadas no sistema sanguíneo ajudam pacientes a se lembrarem de experiências há muito esquecidas, são familiares com a habilidade das drogas de trazer um tranqüilo esquecimento do período durante o qual o paciente era drogado e questionado.

Após, a vítima é treinada para aceitar sua própria confissão, tal como um animal é treinado a fazer pequenos truques. Falsas admissões são relidas, repetidas, marteladas em seu cérebro. Ele é forçado a reproduzir, de memória, várias e várias vezes as ofensas fantasiadas, detalhes fictícios que finalmente o convencem de sua criminalidade. No primeiro estágio ele é forçado à obediência mental por outros. No segundo ele entra num estágio de auto-hipnose, convencendo a si mesmo dos crimes fabricados. Conforme Swift: “As perguntas durante o interrogatório agora tratam com detalhes da ‘confissão’ do Cardeal. Primeiro, suas próprias afirmações são lidas para ele; então, afirmações de outro prisioneiros acusados de cumplicidade com ele; após, elaborações daquelas afirmações. Às vezes o Cardeal estava melancólico, outras enormemente perturbado e excitado. Mas ele respondia todas as perguntas de bom grado, repetia todas as afirmações uma, duas, até três vezes quando assim lhe era pedido”. (Lassio)

Na terceira e última fase do interrogatório e lavagem cerebral, o acusado, agora completamente condicionado e aceitando sua culpa imposta, é treinado a lançar falsos testemunhos contra si mesmo e outros. Ele não tem que se convencer mais através da auto-hipnose; ele apenas fala “a voz do seu senhor”. É preparado para um julgamento, completamente amaciado; torna-se cheio de remorsos e desejoso de ser sentenciado. É um bebê nas mãos de seus inquisidores, nutrido como um bebê e tranqüilizado por palavras como um bebê.

(The Rape of the Mind, The Psychology of Thought Control, Menticide, and Brainwashing. Joost A. M. Meerloo, M.D; The Techniques of Individual Submission; Chapter One – You too would confess)

O caso Mindszenty (I): “Arranquem suas línguas”.

Link para o original.Segunda-feira, 14 de Fevereiro de 1949 – Hungria

Agitado e cheio de maus pressentimentos, o Arcebispo Joseph Mindszenty apressou-se até o Vaticano há apenas três anos. Estava uma semana atrasado; o exército Vermelho havia atrasado seu visto.

No dia seguinte, o Papa Pio XII colocou o chapéu vermelho de cardeal na cabeça do nascido camponês Joseph Mindszenty e outros 31 prelados. Enquanto o fazia, o Papa pronunciava uma antiga formula: “Recebei… este chapéu vermelho, sinal da inigualável dignidade do cardinalato, pela qual é declarada que vós deveis mostrar-vos corajoso até a morte em derramar vosso sangue pela exaltação da bem-aventurada fé…”

Depois, de acordo com um relato dado por padres Americanos, o Papa disse a Mindszenty: “Você pode ser o primeiro a ver esta cor vermelho-sangue tornar-se sangue vermelho”.

Historicamente, é curioso encontrar menção ao martírio mantido no ritual da criação de um cardeal. A lista de mártires da Igreja contém grande quantidade de bispos, mas apenas um cardeal 1. Quando o cargo evoluiu (provavelmente no século V), os cardeais ficavam a cargo de importantes igrejas na própria cidade e em torno de Roma. Enquanto existisse o mal no mundo, existiria perigo, mesmo no centro da Cristandade. Os cardeais eram relembrados que deles, assim como daqueles que iam para junto dos infiéis, se esperava fidelidade até a morte.

Santo Stefano Rotodon, Roma.
Santo Stefano Rotondo, Roma.

A igreja em Roma da qual o Cardeal Mindszenty tornou-se titular era a do protomártir (cerca de 50 A.D.) Santo Stefano [Estevão] Rotondo al Monte Célio, do século V 2. Nas paredes de Santo Stefano estão 34 afrescos mostrando cenas do martírio Cristão – Santa Margareth, seus seios despedaçados com ganchos; o Bispo Artemius, esmagado entre grossas placas de pedra; Bispo Simeon, cortado aos pedaços com facas. Mas nem todos os martírios envolvem morte. Um afresco em Santo Stefano conta a perseguição dos cristãos do século IV pelo Rei Unericus, no norte da África. Diz a descrição: “Aqueles que falaram e levantaram suas mãos contra o Rei tiveram suas línguas e mãos cortadas fora”.

Joseph Mindszenty viveu por três anos com a ameaça do martírio contra si. Sabia disso e falava disso, e dizia que estava pronto para aceitá-lo. Ele até se preparou para a forma de martírio que o alcançaria na semana passada, o martírio inventado pelo Rei Unericus – o martírio da língua que não poderia claramente professar aquilo a que ele dedicou sua vida.

Os comunistas, que têm seus próprios mártires, bem entendem o ditado “sangue dos mártires, semente da Igreja”. Eles procuraram remover Mindszenty, que permanecia em seu caminho, mas acima de tudo procuraram afastá-lo de sua coroa do martírio. Desse modo, Mindszenty apareceu no tribunal “confessando” e “se retratando”.

Como os comunistas armaram isso ninguém no Ocidente sabe (até hoje ninguém sabe o segredo das confissões na “Grande Limpeza” de 1937 na Rússia). De algum modo eles quebraram Joseph Mindszenty, homem de coragem incendiante. De algum modo eles fizeram-no dizer coisas que ele havia negado com radical veemência, e com pleno conhecimento das conseqüências, até sua prisão 40 dias antes.

Desde que o Rei Unericus cortou línguas, os homens não diminuíram em maldade, mas aprenderam artes sutis e torturas mais refinadas que faca e ganchos. Ninguém pode provar que Mindszenty estava drogado ou açoitado. Tudo que pode ser dito com certeza é que toda a vida de Mindszenty provou que ele era um homem bravo e teimoso, um homem que em toda encruzilhada em sua vida orgulhosamente tomou o mais perigoso, o mais íngreme caminho; ter feito tal homem “arrepender-se” foi uma espécie de milagre do mal.

A casa do pai. Joseph Mindszenty vem de uma região de combatentes – o baixo Dunantul, na barragem ocidental do Danúbio, a trincheira onde por 150 anos os Húngaros lutaram contra invasores Turcos do leste. Nasceu (1892) na cidade de Csehimindszenty, filho de Janos Pehm. Os comunistas fazem muito do fato de os Pehmns serem de origem Alemã, apesar de terem vivido na Hungria por três séculos. Janos Pehm era um camponês. Também era prefeito da cidade, um homem destemido, devoto, que perpetuamente se rebelava contra os patrões da região e insignificantes poderosos. Diz um padre húngaro: “O Primaz é um grande homem, é verdade. Mas seu pai – ele era realmente um grande homem”.

Com suas duas irmãs, Joseph trabalhava o dia todo nos 20 acres de terra de seu pai, vivendo no casebre de seu pai que foi construído de tijolos secos ao sol. Quando foi para o seminário numa cidade vizinha, muitos de seus companheiros de classe o olhavam com desprezo como um filho de camponês. Era um intenso, sério e brilhante estudante.

O Doente & O Preso. Aos 23 anos, Joseph Pehm foi ordenado e voltou para Csehimindszenty, onde sua mãe orgulhosamente o viu celebrando sua primeira Missa. Em 1917 foi ensinar na pequena cidade de Zalaegerszeg, tornando-se mais tarde seu pároco. A paróquia por ele assumida estava em pobre estado. Ele criava quatro vacas e distribuía leite às crianças desnutridas. Consumiu muito tempo visitando os doentes e presos. Logo ele mesmo se tornaria preso. Quando Bela Kun estabeleceu seu reino Comunista de terror por quatro meses em 1919, Padre Pehm o atacou em um panfleto. Os Comunistas o conduziram pelas ruas da cidade “em desonra”, e então o aprisinoram na corte judicial da cidade.

Padre Pehm era um padre austero. O povo de Zalaegerszeg, como a maioria dos Húngaros, amava festas que bem duravam até o dia seguinte. Ele, indignado, determinou que não houvesse mais casamentos aos Sábados; queria todo seu rebanho pronto para a Missa de Domingo. Certa vez chamou um jovem capelão e disse: “Na última noite o observei andando junto à margem do rio com uma viúva. Primeiro, não penso ser correto que um jovem capelão ande sozinho em uma rua deserta à noite; segundo, não penso ser correto para ele andar com uma jovem viúva; e terceiro, se você fez essas coisas, você deve pedir sua transferência. Por favor o faça”

Chegaram a chamá-lo de “Papa de Zalaegerszeg”. Quando o Ministro da Fazenda, Janos Bud, começou a reduzir os gastos para a religião e trabalhos sociais, ele observou que a região de Zala seria melhor se deixada sozinha: “Aquele padre é um camarada duro para se entrar em confusão”.

1500 peças de roupas íntimas. A oposição de Mindszenty aos Nazistas o fez uma figura nacional. Ele tomou novamente o caminho mais penoso. Pregou contra o “novo paganismo” Nazista. Quando eles ocuparam a Hungria, muitos Húngaros descendentes de Alemães retiraram seus nomes húngaros e começaram a usar seus antigos nomes alemães novamente. O severo Padre Joseph Pehm fez o contrário. Renunciou ao nome alemão e tomou o Húngaro, derivado de sua cidade natal – Mindszenty.

Dez dias depois da tomada Alemã, Joseph Mindzenty tornou-se bispo de Veszprem. Em seu gracioso palácio rococó, Dom Mindszenty escondeu muitos judeus que estavam sendo perseguidos pelos nazistas. Na última semana, uma testemunha falou – mas não nas salas de julgamentos Comunistas. Ela era a senhora Janos Peter, uma judia Húngara que escapou do campo de concentração de Auschwitz. Agora vive em Viena. “Fui aconselhada a fugir para Veszprem”, relatou. “Coloquei-me sob a proteção do Bispo Mindszenty. Ele recebeu-me calorosamente e me escondeu no porão de seu palácio. Ao menos 25 pessoas estavam lá. Mindszenty nos trazia comida. Ele vinha até nós várias vezes ao dia e nos confortava com palavras apostólicas”.

Os Nazistas Húngaros finalmente prenderam Mindszenty. Todo Húngaro conhece a história de como ele caminhava até a prisão todo paramentado, abençoando o povo enquanto ia. Quando os Nazistas tomaram seu palácio, encontraram depósitos de roupas que ele coletou para os pobres. Sobre este fato os Vermelhos agora baseiam uma acusação de que Mindszenty foi preso por acumular 1500 peças de roupas íntimas. Por cinco meses, os Nazistas mantiveram Mindszenty na prisão de Sopron-Kohida.

Quando os Russos vieram, abriram as portas das prisões a todos os prisioneiros políticos. Mindszenty tomou uma carona de volta a Veszprem. Logo o Vaticano lhe daria uma nova sé, Esztergom, que carrega consigo a primazia sobre todas as outras do país.

Em três anos, Mindszenty ascenderia rapidamente de pároco a Princípe-Primaz. A Igreja sabia que estava entrando numa luta inevitável na Hungria. Mindszenty era inexperiente, com pouco conhecimento do mundo ou da diplomacia. Tinha, entretanto, duas características que devem tê-lo recomendado ao Vaticano: 1) um passado anti-nazista tão claro que os comunistas não poderiam manchar, e 2) uma extraordinária firmeza de caráter.

Mas nessa combinação de firmeza e inexperiência está o causador da tragédia.

Logo após tornar-se Primaz de Hungria, um amigo perguntou à mãe de Mindszenty se ela estava feliz pela ascensão de seu filho. A velha senhora disse: “Estive feliz muitas vezes por meu filho, e mais feliz ainda quando ele se preparava para o sacerdócio. Mas lamentei quando eles o levaram para Esztergom”.

“Eu sou a Igreja”. De muitas maneiras, o Príncipe-Primaz vivia como um pároco. Em seu enorme e sombrio palácio em Esztergom, ele usava apenas uma mesa de jantar e um quarto (nunca aquecido) onde recebia visitantes. Na mesa onde os predecessores de Mindszenty saboreavam excelentes cargas de gansos e faisões e ricos vinhos Húngaros, apenas uma refeição quente por dia era posta diante do Primaz. Nas sextas, comia apenas pão e água como um sacrifício pela libertação da Hungria do Comunismo.

Como em seus dias de vila, mantinha uma vaca que sua mãe havia lhe enviado. “Agora o Príncipe-Primaz tem leite”, disse certa vez, “isso é mais que suficiente”. Já que ele não tinha mais um jardineiro, trabalhava nos jardins do palácio, onde frangos agora ciscavam entre as verduras já meticulosamente aparadas. Um dia uma delegação veio a ele pedir uma contribuição para caridade: “Não tenho dinheiro aqui”, disse Mindszenty. “Levem o tapete”. A delegação surpresa saiu carregando um tapete oriental.

Incansavelmente inspecionou as paróquias em sua diocese. Seus olhos atentos nada deixavam passar. Certa vez ele confirmara um grupo de garotos e garotas da igreja da vila. Durante as cerimônias, deu uma olhada no telhado da igreja e repentinamente murmurou ao padre local: “Duas telhas estão faltando”.

Era profundamente fiel à sua mãe e escreveu um livro sobre maternidade. A visitava todo verão e trabalhava na velha fazenda em Csehimindszenty. No inverno, ela vinha ficar com ele. Mesmo no palácio do Cardeal, ela sempre vestia o tradicional véu preto de camponesa sobre a cabeça.

Ainda, a seu rebanho, Joseph Cardeal Mindszenty parecia como um prelado frio e distante. Um companheiro padre recorda suas visitas, como na ocasião de uma festa para as crianças pobres; o Cardeal se movia lentamente entre as criancinhas intimidadas, sorrindo friamente e entregando aqui e ali um contido tapinha em suas pequenas cabeças. Ele nunca se esqueceu para quê seu chapéu vermelho lhe fora dado.

Era ávido pelo martírio – até mesmo invejoso. Um dia, enquanto cavalgava por Budapeste seguido por vários outros padres, o carro que conduzia seu cortejo foi apedrejado por Comunistas. Mindszenty imediatamente parou seu próprio carro e furiosamente aproximou-se do agrupamento Vermelho: “Eu sou a Igreja!”, gritou o Cardeal Mindszenty: “Se vocês querem algo da Igreja, me apedrejem!”

O confronto entre Mindszenty e os Comunistas que governavam seu país não era daqueles que pudessem ser resolvidos ao “dar a César [o que é de César]”. Esse novo César era devorador de tudo. Em Estados que não tentam abocanhar profundamente as vidas pessoais de seus cidadãos, Estado e Igreja podem seguir seus caminhos em paz separados; o Estado Comunista é o instrumento de uma igreja – a igreja secular do Comunismo internacional. Ela ensina um sistema ético diretamente oposto ao de Mindszenty. Ativamente procura afastar de Deus quantos homens ela possa. Usa a plena força de seu poder político, seu sistema educacional e sua economia socializada para fazer seus convertidos e destruir seus rivais religiosos. Numa luta na qual Mindszenty se encontra não há linha lógica entre Igreja e Estado. Tudo isso era claro desde o que ocorreu na Rússia.

Por volta do fim da II Guerra Mundial, outros nove países 3 (sem contar as zonas Russas da Alemanha e Áustria) caíram nas garras do exército Vermelho. Essas terras continham 80 milhões de pessoas, das quais 42 milhões pertenciam a igrejas ligadas a Roma. A maioria dos outros habitantes pertencia à Igreja Ortodoxa Grega. Os Comunistas sabiam o que fazer com eles; na Rússia eles esmagaram a Igreja Ortodoxa, depois se utilizaram dos remanescentes. As igrejas Protestantes, em geral, permaneceram afastadas da batalha. 4

Na Romênia, 1.500.000 Católicos Romanos do rito Grego foram forçados à ingressar na Igreja Ortodoxa. O mesmo fato sobreveio a 3.500.000 Católicos Rutenos, agora cidadãos da U.R.S.S. Em países predominantemente Católicos, os Comunistas seguiram um caminho diferente; o passo intermediário em seu plano era instituir igrejas Católicas “nacionais”, separadas de Roma.

Há poucos meses, o Chefe Comunista da Hungria, Matyas Rakosi, teve uma entrevista com Istvan Barankovics, líder do Partido Católico Democrático do Povo. Ele assegurou a Barankovics que os Comunistas não tinham intenção de destruir a religião na Hungria. Perguntou como Barankovies se sentiria a respeito de “libertar a igreja Católica Húngara de Roma”. Disse Barankovics: “Uma religião baseada em linhas nacionais é sem significado. Você, que atacou Tito, deve apreciar isso.”

O negócio de viver. Os Húngaros Católicos tinham três caminhos abertos: colaborar com os Comunistas, despistar por um tempo ou lutar.

Poucos tomaram o primeiro caminho. Entre eles Padre Istvan Balogh, um padre gordo com apetite Rabelaisiano por comida e boa vida. Padre Balogh tinha variado seus deveres clericais com trabalhos como um publicar anúncios em cinemas e editor de jornais. Organizou o comércio de ovos e galinhas em torno de Szeged e gostava de ajudar nas festas de verão – na capacidade de tesoureiro. Padre Balogh tornou-se um membro do governo dominado por Comunistas. Dizia ele: “Tenhamos uma reconciliação para que todos possam dormir em paz em suas camas. Para o Cardeal Mindszenty, aceitar o martírio é uma coisa. Mas e os 6.000.000 de Católicos Húngaros para os quais o negócio é continuar vivendo?”

O segundo grupo, que queria retardar as coisas, era liderado por Laszlo Banass, que sucedeu Mindszenty como bispo de Veszprem, e Gyula Czapik, arcebispo de Eger. Sua política era desenvolvida por dois Jesuítas, Padre Joseph Janasi, um dos maiores intelectuais da Hungria, e Padre Kerkai, organizador de movimentos da juventude. Argumentavam que não importava o quão duramente os Católicos Húngaros se opusessem aos Comunistas, eles não tinham imediata perspectiva de resistência bem-sucedida. O jeito era fazer algumas concessões e esperar para ver o que aconteceria. Uma considerável parte do clero Católico e talvez a maioria do Corpo de Bispos tomaram essa postura. Ela estava de acordo com a política adotada por Adam Cardeal Sapieha na Polônia e pelo Arcebispo Joseph Beran, na Checoslováquia.

A terceira visão – total resistência intelectual – foi adotada pelo Príncipe-Primaz Mindszenty. O maior grupo do clero Católico e leigos o seguiram. Os Comunistas agora dizem que Mindszenty acreditava que uma guerra entre Estados Unidos e Rússia estava próxima. Há motivos, inteiramente alheios às afirmações Comunistas, para se crer que Mindszenty realmente mantinha essa posição. Se isso determinou sua postura, não é claro. Um homem de natureza lutadora poderia ter adotado uma postura de batalha acreditando ou não que a ajuda estava próxima.

Por qualquer razão, Mindszenty golpeou. Pouco antes das eleições de 1945 ele circulou uma carta pastoral na qual afirmava: “… Foi a tirania que trouxe a Europa a essa terrível guerra… Foi a tirania que pisoteou os mais sagrados direitos humanos… Foi a tirania que negou mesmo em teoria que os indivíduos têm direito de desenvolver suas habilidades, seus talentos, seus gostos… Mas não devemos ter o tipo de ‘democracia’ que substitui uma brutalidade, uma facção faminta pelo poder, por outra [ndt: no caso, o Nazismo pelo Comunismo] … Pedimos, irmãos, que pesem estas palavras antes de lançar seus votos… Não fiquem amedrontados pelas ameaças dos filhos do mal. Quanto menos oposição encontrar, mais forte crescerá a tirania…”

Um alaúde sem cordas. Depois disso, grandes multidões enchiam igrejas e praças públicas quando ele falava; milhares seguiam-no quando liderava a procissão na festa de Santo Estevão, Rei da Hungria, carregando a mão mumificada do Santo da capela de Santo Estevão em Budapeste até a igreja da coroação.

Mindszenty não combateu a reforma agrária dos Comunistas, o que custou à igreja Húngara quase nove décimos de seus pertences. Ele fez-se presente quando os Comunistas começaram suas manobras para nacionalizar as escolas da Hungria e fazê-las ferramentas da propaganda Comunista. A igreja dirigia e mantinha com seus próprios fundos mais de 60% de todas as escolas Húngaras.

Após perder a maior parte de suas receitas como resultado da reforma agrária, a Igreja tinha problemas para manter as escolas abertas. O governo solicitamente ofereceu pagar os professores Católicos, o que os fariam servidores do Estado Comunista. Mindszenty veementemente recusou. Então, sob direta ordem de Moscou, os Comunistas decidiram nacionalizar as escolas absolutamente. Quando o Parlamento Húngaro formalmente aprovou a lei de nacionalização, Mindszenty ordenou que os sinos das Igrejas por toda a Hungria fossem tocados como um sinal de dor e alarme.

Os Comunistas tentaram silenciar Mindszenty ao oferecê-lo condução segura para fora da Hungria. Ele recusou: “O lobo não tem mais segurança no estrangeiro do que um Cristão honesto no Estado Comunista Húngaro hoje”, disse a um visitante na época. “Em quatro meses devo provavelmente estar esperando minha vez na cela da forca. Mas eu nunca mudarei minhas atitudes ou voltarei atrás em qualquer dessas coisas que disse contra o governo Comunista. Deus ordenou meu destino e coloco-me em suas mãos”.

Disse: “Estamos sentados sobre as águas da Babilônia. Eles querem que aprendamos canções tão estrangeiras a nós como os sons de um alaúde sem cordas”.

Esse tipo de conversa alarmava muitos Católicos na Hungria. Em Roma, Monsenhores agitavam suaves mãos em agonia pela “falta de tato” do Príncipe-Primaz. Não era muito o que ele dizia, mas o modo como ele dizia.

Entretanto, Roma notou que a política conciliatória do Cardeal Sapieha e do Arcebispo Beran não estava sendo bem-sucedida ao frear o avanço Comunista contra a Igreja. O Papa Pio XII apoiou Mindszenty contra os moderados Húngaros.

Da Justiça & Caridade. Em novembro passado, os Comunistas começaram a aproximar-se de Mindszenty. Sua residência era vigiada noite e dia. Os Vermelhos tomaram uma fábrica próxima e a transformaram num dormitório para os 80 agentes secretos apontados para guardar o palácio do cardeal. Mindszenty sabia o que estava vindo. Escreveu: “Não acuso meus acusadores… Estou rezando por um mundo de justiça e caridade e também por aqueles que, nas palavras de meu Mestre, não sabem o que fazem”.

Ele pediu a sua mãe que ficasse com ele. Clérigos que os visitavam afirmavam que a mãe Mindszenty e seu filho estavam calmos e felizes. Padres diziam que quando os oficiais do governo vinham ver o Cardeal, ele orgulhosamente erguia suas mãos cada vez mais alto enquanto eles se inclinavam para beijar seu anel.

Mindszenty escreveu sua última carta pastoral. Em seu envelope, ele escreveu a agora famosa nota a seu clero, advertindo que qualquer “confissão” que possa aparecer algum dia com sua assinatura seria apenas resultado da “fragilidade humana”. Em outras cartas, alertou que ele poderia ser drogado e assim levado a confessar algo que não cometeu.

No dia seguinte ao Natal, a polícia Comunista chegou a Joseph Cardeal Mindszenty. Sua mãe lhe disse calmamente: “Filho, não tenha medo da morte, se necessário”.

Em todas as igrejas Húngaras (exceto as da diocese do Arcebispo Czapik) padres leram a carta pastoral de Mindszenty. Era também sua resposta àqueles que, como Czapik, queria o compromisso com os filhos do mal. “Depois de tomar tantas coisas, o mundo ainda pode nos roubar isso ou aquilo, mas não pode retirar nossa fé em Jesus Cristo”, dizia Mindszenty.

Esse era o Mindszenty que os Comunistas prenderam. Ninguém o pressionou para a sua oposição perigosa. Ele não se enganou pensando que estava seguro. Ele tomou, por conta de seu caráter que não se rende, o íngreme caminho para o martírio.

Livre de pressão? Cinco semanas depois, um outro Joseph Mindszenty sentou-se no tribunal 5 . Estava vestido de preto, como um padre comum. Antes do julgamento começar, o juiz presidente leu uma carta do acusado ao Ministro da Justiça.

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Cardeal Mindszenty em seu julgamento.

“Quero amenizar a presente tensão”, Mindszenty teria escrito. “Eu voluntariamente admito que, em princípio, cometi os atos presentes na denúncia… Depois de 35 dias de constante meditação… eu considero que um acordo entre a Igreja e Estado seja necessário… Por isso, de bom grado declaro – livre de qualquer pressão, é claro – que desejo me retirar do exercício de minhas funções por um tempo…”

Na corte Mindszenty novamente e novamente declarou que lamentava o que fizera. Quando ele admitiu receber doações em dólar do estrangeiro e permitir seus subordinados vendê-los no mercado negro, disse: “Peço desculpas. Quero repor o dano feito ao Estado Húngaro”.

O juiz presidente perguntou: “Alguém o forçou a fazer esta confissão?” Mindszenty respondeu: “Não”. O juiz então mencionou a carta que Mindszenty escreveu antes de sua prisão, repudiando qualquer confissão que pudesse ser feita. Disse o Cardeal: “Quero afirmar que hoje vejo as coisas de outra maneira. Quero repetir – Eu lamento meu erro. Quero que a carta seja considerada nula e inválida.”

Os Comunistas publicaram o “Livro Amarelo”, contendo o que eles chamavam de confissão escrita de Mindszenty. Ele incluía passagens de ávidas auto-acusações quase infantis muito remanescentes do estilo dos tribunais de limpeza de Moscou, e sem nenhuma relação com o caráter de Joseph Mindszenty. Exemplos: “Eu organizei todas aquelas forças, em casa e fora, cujos interesses eram derrubar a república, suas instituições e realizações… Esperava a restauração da monarquia após a III Guerra Mundial… Eu mesmo queria coroar Otto [de Habsburg] porque isso me asseguraria todos aqueles privilégios que são garantidos a quem é o primeiro na nobreza…”

Se isso era tudo que os Comunistas tinha a oferecer, o mundo poderia estar certo que a consciência de Mindszenty foi atacada por drogas ou tortura. Mas os sucessores do Rei Unericus trabalharam mais habilmente do que isso. O Mindszenty que apareceu no tribunal não parecia ter sido drogado ou torturado. Confiáveis observadores Ocidentais que estavam presentes notaram (como as fotografias confirmaram) que ele parecia pálido e tenso. Entretanto, ele deu a impressao de um homem em posse de suas faculdades. Nenhuma droga conhecida à ciência Ocidental poderia dar conta destas repetidas “confissões”. Ninguém que conhecia qualquer coisa sobre Mindszenty poderia imaginar que a tortura poderia fazer este forte homem negar a si mesmo.

Os propagandistas Comunistas fizeram o máximo com a desistência do Cardeal. Transmissões dos procedimentos causaram grande impressão nos Húngaros, a maior parte dos quais grudados em seus rádios desde o começo do julgamento. Muitos, que antes acreditavam em sua inocência, agora mudaram de idéia quando ouviram a própria voz de Mindszenty.

“Rezei nesta manhã”. Uma vez, durante o julgamento, foi permitido a Mindszenty ver sua mãe. Com lágrimas dos olhos, ela lhe perguntou se eles haviam lhe tratado bem. “Não se preocupe, mãe”, disse ele, “tudo terminará bem”.

No último dia de seu testemunho, Mindszenty falou coerente e comoventemente, em voz lenta e firme:

“Tenho meio século sobre meus ombros, meio século de definitiva educação e princípios. Esta educação e estes princípios são postos na vida de um ser humano como os trilhos de uma linha de trem são ancorados na terra. Isso explica muitas coisas…”

“Permaneci por mais de 40 dias perante a polícia e o tribunal. Eles me perguntam e eu respondo. As perguntas e respostas não são apenas para aqueles que me questionam. Um homem também dá respostas à sua própria alma…”

“Se eu colidi com as leis do Estado, eu lamento. Estou certo que, enquanto permanecendo fiel aos princípios básicos, hoje faria certas coisas diferentemente na mesma situação. Nunca fui um inimigo do povo Húngaro. Não tenho disputas com os trabalhadores e com os camponeses aos quais eu e minha família pertencemos”.

“Rezei nesta manhã ao meu Senhor e pedi por paz. Não para amanhã, ou num futuro distante, mas para paz em nosso tempo”.

“Eu trouxe o amor de minha igreja a este tribunal, e peço este amor ao Estado Húngaro ao qual aqui mostro obediência. Também peço este amor a mim mesmo e possa o Senhor dar sabedoria à corte quando passarem a sentença…”

A corte retirou-se por dois dias. Então, pronunciou a sentença de Joseph Mindszenty: prisão perpétua.

Este julgamento seria lembrado e discutido por muitos anos. Uma lição estava presente e terrivelmente clara. Uma vez tendo os Comunistas estabelecido suas leis, nenhum homem, por mais forte que seja, pode estar certo de manter sua integridade. Mindszenty, olhando em direção ao martírio, citou São Paulo: “Para mim viver é Cristo e morrer é lucro”.

Eles não permitiram que Mindszenty morresse. Arrumaram um martírio mais amargo para ele.

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1] João Fischer, bispo de Rochester, foi nomeado cardeal em maio de 1535, após Henrique VIII o aprisionar. Henrique proibiu a entrega do chapéu vermelho na Inglaterra, declarando que, pelo contrário, ele enviaria a cabeça de Fisher a Roma para o chapéu.  Depois de pouco tempo, Fisher foi decapitado.

2] Não confundir com Santo Estevão, Rei da Hungria (975-1038.)

3] Estônia, Letônia, Lituânia, Polônia, Checoslováquia, Romênia, Iugoslávia, Bulgária, Albânia.

4] Isso pouco ajudou aos protestantes onde suas escolas foram nacionalizadas na Hungria. O bispo Luterano Lajos Ordass, que tentou se opor aos Comunistas, está na prisão sob a falsa acusação de contrabando. Ferenc Nagy, um líder Presbiteriano que como Premier tentou colaborar com os Comunistas, foi forçado a deixar o país.

5] No tribunal com Mindszenty estavam outros seis homens também acusados de particular na “consipiração”. Todos eles “confessaram”, incluindo o secretário do Cardeal, Andras Zachar, e o Príncipe Paul Eszterhazy, que fora o homem mais rico da Hungria.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (Fim).

St. Nicholas du Chardonnet – Dois meses depois

St. NicholasApesar do fato de Mons. Ducaud-Bourget ser sagaz o suficiente para esquivar-se das emboscadas feitas contra ele pela “oferta generosa” do Cardeal Marty, ele logo percebeu que permanecer em St. Nicholas trazia seus problemas, nomeadamente que, apesar de ser muito grande, ela em breve seria incapaz de acomodar os milhares que desejavam rezar lá todos os Domingos. O resultado foi que a Missa tinha que ser celebrada uma vez mais na Salle Wagram. Isso é tratado num extrato de um artigo do Professor Thomas Molnar que publicamos abaixo. Professor Molnar também menciona a simpatia ao clero tradicionalista e aos paroquianos de St. Nicholas mostrada pela polícia. Parece que numa ocasição uma delegação de clérigos progressitas (em roupas civis, naturalmente) foi à principal delegacia da área para demandar que o delegado responsável explicasse porque nenhuma ação fora tomada para expulsar os tradicionalistas da igreja. Eles foram informados pelo sargento de plantão: “Vocês não podem encontrá-lo agora, ele está assistindo Missa em St. Nicholas“.

O relato da visita do Professor Molnar a St. Nicholas apareceu originalmente em New Oxford Review e foi republicado em The Remnant de 17 de janeiro de 1978.

Uma entrevista com Mons. Ducaud-Bourget

No último mês de abril, Ecône recebeu alguns importantes aliados, um deles na pessoa de Mons. Ducaud-Bourget, o padre-poeta, e os milhares de pessoas que ajudaram-no a tomar a Igreja de St. Nicholas du Chardonnet num dos mais antigos quarteirões de Paris. O leitor pode agora falar de “violência”. Mas esta é a França. São Bernardo era violento, também eram Joana Darc, Bossuet e Bernanos. Assim era Jesus Cristo ao expulsar os vendedores do templo. Por anos, os “tradicionalistas” imploraram ao Cardeal Marty por uma igreja onde a Missa de Pio V (Missa Tridentina) pudesse ser celebrada; o Cardeal, fechando seus olhos à profanação da Catedral de Rheims por atos sexuais de hippies e à celebração Budista  na Catedral de Rennes, deixou os peticionários sem resposta. Na última Páscoa eles entraram em St. Nicholas, esclareceram que apenas a antiga Missa Latina seria celebrada e que não eles não sairiam até que uma igreja fosse oficialmente oferecida a eles como uma morada permanente. Para maior ênfase, eles montaram uma guarda permanente de várias dúzias de jovens para manter do lado de fora os criadores de problemas. Esses jovens, todos fazendo sacrifícios financeiros ao deixar seus trabalhos ou estudos pela duração do “cerco”, conduzem os fiéis, mantêm um olho na rua, e fornecem proteção à meia dúzia de padres celebrando Missa.

Visitei St. Nicholas no domingo, 12 de junho deste ano. Era às 11 da manhã, pessoas estavam saindo em massa, com seu caminho praticamente bloqueado por uma massa similar de pessoas esperando para entrar para a próxima celebração. A multidão na praça em frente à igreja era enorme, esperando para a missa do meio-dia. Antes da entrar, conversei com vários policiais nos arredores. Sem exceção eles simpatizavam com os “ocupantes”,  parte pelas antigas bases religiosas, parte por fundamentos políticos. “É duvidoso“, me contou um jovem policial, “que se ordenado a evacuar a igreja meus homens obedeceriam. Mas de qualquer forma, que político ousaria dar tal ordem, e certamente não fará Chirac, o novo prefeito? Além disso, se Mons. Bucaud-Bourget pessoalmente permanecesse em nosso caminho, nós não o tocaríamos, nem mesmo aquilo ou aqueles que ele proteger“.

Depois da Missa, fui recebido pelo Monsenhor numa sala da sacristia. Estamos na França! Ele tem 84 anos, tão vivo como uma enguia, cabelos brancos aos ombros, unhas cumpridas como um mandarim, e um cachimbo nos lábios. Seu modos e sua fála poderiam ser colocadas em algum lugar entre as eras de Luis XIV e Luis XV. Primeiro nós conversamos de doutrina e filosofia, o que fora facilitado pelo fato de termos lido alguns dos escritos um do outro, eu sua poesia — poesia que acaba de receber uma entusismada resenha no Osservatore Romano onde os editores não perceberam que o poeta Ducaud-Bourget e Mons. D-B são a mesma pessoa! Enorme embaraço uns poucos dias depois e repulsiva reviravolta. Tanto para mesquinharias…

O Monsenhor acabara de chegar da Salle Wagram onde rezou missa diante de 800 pessoas que não puderam ir a St. Nicholas naquela manhã. Em outras regiões da França, igrejas são da mesma maneira ocupadas por aqueles a quem os novos inquisidores orgulhosamente descrevem como um punhado de velhos ou alguns reacionários. Cuidadosamente examinei a multidão dentro e fora da igreja: todas as faixas etárias estavam representadas; é claro, se eles eram reacionários não me era possível discernir.

O Monsenhor me contou sobre as mentiras intermináveis, promessas descumpridas, ameaças e opressões da parte do Cardeal Marty, seus burocratas e do Vaticano. Graças a Deus pelas brutais leis anti-igreja de 1905: todas as propriedades eclesiásticas foram então confiscadas pelo Estado, de modo que hoje o Cardeal é incapaz de mandar suas tropas de choque para reocupar St. Nicholas; e como vimos, o Governo e a Municipalidade preferem não tocar nesta batata quente, por medo de dividir seu eleitorado. Mons. Ducaud-Bourget conseqüentemente está confiante de que nada acontecerá. Nós então conversamos sobre a recente decisão judicial (processo movido pelo curé regular da igreja) de pedir ao filósofo Católico Romano, Jean Guitton, supostamente imparcial, a intermediação entre a Arquidiocese e os ocupantes. Guitton é um homem bobo e oportunista, me contou Mons. Ducaud-Bourget; ele não quer colocar em risco seu status de biógrafo de Paulo VI. Com tudo isso – me foram mostradas cartas – Guitton expressou sua “déférence sympathique” a Mons. Ducaud-Bourget, e chamou seu próprio papel como mediador de uma maravilhosa oportunidade para encontrá-lo. Então fiquei surpreso em ler na entrevista do Express com Guitton (Julho passado) seus comentários depreciativos sobre a posição vis-à-vis de Lefebvre com o Papa como a de um General Argelino da O.A.S. vis-à-vis com De Gaulle. Uma comparação ridícula e nem mesmo lisonjeira – depois da qual se pode falar com desprezo também da inteligência de Guitton.

De toda forma, a “mediação” está parada, mas por enquanto o “Caso” está expandindo e mais “aliados” estão se juntando a Lefebvre. Em junho passado a Princesa Pallavicini abriu seu palazzo em Roma para 1500 convidados para ouvir o Arcebispo re-explicar muito simplesmente que ele não renunciaria sua fé de 2000 anos. “Não quero morrer um protestante”, disse. Existia uma ovação indescritivelmente fervente, não apenas dos convidados nos salões, mas também das pessoas sentadas nas escadas e a multidão do lado de fora que ouvia por alto-falantes as palavras de Lefebvre.

O Vaticano considerou isso como uma outra provocação – levar a “oposição ao Papa” para dentro de uma distância ao alcance de sua voz. O vigário do Papa (como Bispo de Roma), Cardeal Ugo Poletti, atacou a Princesa num comunicado de imprensa – ao qual ele recebeu uma declaração em resposta na altura de “se preocupe com seus próprios negócios, eu recebo em minha casa quem eu quero”. O “se preocupe com seus próprios negócios” é uma advertência absolutamente apropriada, já que Roma agora tem um Prefeito “companheiro-viajante” eleito da lista Comunista.

Saint Nicholas Hoje

Os leitores que querem participar do “milagre de Saint Nicholas” durante uma visita a Paris devem tomar o metro para a estação Maubert-Mutualité, que é adjacente à igreja. Todas as antigas igrejas e catedrais na França pertencem ao Estado, que é responsável pela manutenção de seu exterior. É muito significativo que desde a libertação de St. Nicholas uma grande quantidade de trabalho foi feito no exterior do prédio pelas autoridades civis para complementar a renovação interior feita pelos paroquianos. Apesar das autoridades diocesanas, que não aceitarão a legalidade da presente situação ou de que ela tenha qualquer base permanente, é claro que as autoridades civis não têm a mínima intenção que seja de expulsar os tradicionalistas. St. Nicholas agora permanece como uma ilha da tradição Católica, e, realmente, de sanidade, no mar de Modernismo e banalidade litúrgica.

(Apologia pro Marcel Lefebvre vol. II, The miracle of St. Nicholas du Chardonnet, Angelus Press, 1983)

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Assim, concluímos, caríssimos leitores, nossa série de posts sobre a tomada da Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet. Que o heróico exemplo destes católicos nos anime em nossos combates. Os posts anteriores podem ser vistos aqui.

O primeiro passo.

Mons. LefebvreNão somos rebeldes, não somos cismáticos, não somos hereges. Nós resistimos. Resistimos a esta onda de modernismo que invadiu a Igreja, essa invasão do laicismo, do progressismo que invadiu a Igreja de uma maneira completamente sem razão e injusta, e que tentou eliminar da Igreja tudo que nela era sagrado, tudo que era sobrenatural, divino, a fim de reduzi-la à dimensão do homem. Então nós resistimos e resistiremos, não num espírito de contradição, não num espírito de rebelião, mas num espírito de fidelidade à Igreja, espírito de fidelidade a Deus e a Nosso Senhor Jesus Cristo, o espírito de fidelidade a todos que nos ensinaram nossa santa religião, o espírito de fidelidade a todos os Papas que mantiveram a Tradição. É por isso que decidimos simplesmente continuar, preservar a Tradição, perseverar naquilo que santificou os santos que estão no céu. Assim fazendo, estamos persuadidos que estamos prestando um grande serviço à Igreja, a todos os fiéis que desejam manter a Fé, a todos os fiéis que desejam receber verdadeiramente a graça de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Pouco a pouco, aparentemente, algumas autoridades na Igreja estão começando a perceber – mais objetivamente – que sérios erros foram cometidos, e que talvez seja tempo, se não de retornar completamente ao modo antigo das coisas, que seria ideal, de então reformar as suas reformas. É ao menos o primeiro passo. Ah! Levou-se vinte anos desses resultados trágicos: deserção de padres, deserção de membros de ordens religiosas, a ruína de igrejas, a apostasia de tantos fiéis. Tudo isso teve que acontecer diante de nossos olhos para que se começasse lentamente a perceber o dano que essa reforma causou – reforma que não foi feita pela Igreja, mas que foi conduzida por aqueles que estavam imbuídos de idéias contrárias àquelas que a Igreja sempre ensinou.

Mons. Marcel Lefebvre, sermão por ocasião do 10º Aniversário da Fraternidade de São Pio X,  1º de novembro de 1980.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VIII)

A Tradição Restaurada e a Nova Missa

Por Louis Salleron

O jornal Francês Le Monde de 22 de abril de 1977 publicou esta entre outras cartas que diz ter recebido a respeito da “ocupação” da Igreja St. Nicholas du Chardonnet, em Paris. Le Monde disse que estas cartas “são particularmente reveladoras do ponto de vista de certos Católicos que até agora tiveram pouca oportunidade de expressar-se em público“. Segue a carta do Professor Salleron:

Saint Nicholas du Chardonnet

Os argumentos trazido pelos opositores da Missa de São Pio V podem ser reduzidos, em última análise, a um único ponto: São Pio V, dizem, estabeleceu um rito por sua Bula Quo Primum de 1570. O que um Papa fez um outro pode desfazer; conseqüentemente, o novo rito aprovado por Paulo VI em sua Constituição Missale Romamum de 1969 ab-rogou o rito anterior.

Apresentar a questão dessa forma é estar errado desde o começo. Para começar, existe uma diferença essencial entre a Bula de São Pio V e a Constituição de Paulo VI. Pio VI não criou um novo rito. O que ele fez foi autorizar um texto baseado em pesquisas de estudiosos de muitos anos, e que então lhe parecia carregar a melhor garantia de autenticidade. Era o rito tradicional em toda a sua pureza que ele restaurou, depois séculos durante os quais versões defeituosas se tornaram comuns num número de dioceses. Tão grande era seu respeito pela tradição que, apesar de sua Bula formalmente proibir o uso dos ritos defeituosos, ele expressamente reconheceu e permitiu o uso de qualquer rito que pudesse provar uma certa tradição de, no mínimo, 200 anos. Numa palavra, sua intenção e sua realização era a restauração dos ritos de Missa tradicionais e, em particular, do primeiro dentre eles, o rito Romano. Por contraste, o que Paulo VI fez foi dar sua aprovação a um novo rito – Novus Ordo Missae – o que é uma coisa totalmente diferente.

Paulo VI, é dito, tinha o direito de fazer isso. É claro que tinha. E então (o argumento continua) o rito antigo foi abolido. Não é assim. Pois em sua Constituição o Papa não ab-roga o rito tradicional; ele não proíbe seu uso muito mais do que ele faz o novo rito obrigatório.

É a vontade do Papa de que o novo rito deva substituir o antigo e que este deva desaparecer? Não há dúvidas de que este é o seu próprio desejo, mas não é (no sentido legal) sua VONTADE como Papa, que ele poderia apenas expressar em uma e através de uma Constituição solene, tal como Missale Romanum. Ademais, mesmo no mais urgente de seus discursos (Alocuções), ele nunca invocou sua autoridade como supremo legislador, nem a aplicou para dar efeito à sua vontade a respeito da Missa; tal exercício iria requerer, em todo caso, uma forma diferente daquela de um Discurso. O mais “imperioso” de seus textos sobre o assunto é sua Alocução Consistorial de 24 de maio de 1976, e esta meramente se refere a uma Instrução (ou melhor, Notificação) de 14 de junho de 1971. Agora, neste contexto, uma Instrução não tem maior peso que uma Notificação ou mandado; nenhuma delas tem a autoridade de uma “Constituição Apostólica” ou poder para modificá-la. (Agir assim seria como se, em termos políticos Franceses, um decreto executivo ou mesmo uma Lei aprovada pelo Parlamento modificasse a Constituição da República).

Pode-se acrescentar que na Bula Quo Primum, São Pio V concedeu um indulto individual para todos os padres, permitindo-lhes celebrar o rito que ele acabara de autorizar, acima de qualquer decisão em contrário, mesmo das autoridades judiciais competentes. Este indulto perpétuo pode apenas ser ab-rogado por um novo e de igual autoridade especificamente dirigido a este fim.

O Cardeal Ottaviani estava então plenamente justificado quando me disse pessoalmente em Whitsun, em 1971 – muitos meses depois da promulgação do novo rito: “O rito tradicional da Missa, conforme o Ordo de São Pio V, não foi, de meu conhecimento, abolido. Conseqüentemente, os ordinários locais (i.e., os bispos), especialmente se estão preocupados em proteger o rito e sua pureza, e até para garantir que ele continue a ser entendido pelo corpo daqueles que assistem Missa, faria bem, em minha humilde opinião, de encorajar a permanente conservação do rito de São Pio V…”. Note que ele não diz “faria bem… em autorizar o rito”, mas “encorajar a… conservação do rito”; o rito, não tendo sido nem abolido nem proibido, não tem necessidade de autorização.

Na prática atual, os bispos de fato proíbem o uso do rito de São Pio V. Mas sua proibição é em si mesma ilegal, e esta ilegalidade seria proclamada abertamente como tal não estivessem as estruturas legais Romanas em total decomposição.

Padres e pessoas leigas comuns não olham tão longe. O que eles podem ver é que qualquer coisa, absolutamente qualquer coisa, é permitida no modo das “celebrações” – qualquer coisa, exceto a Missa de São Pio V. Como eles sabem, também, ou como seus instintos lhes contam, que a nova Missa foi construída numa intenção ecumênica: isso é dizer que nela a noção de Sacrifício Eucarístico é diminuída o máximo possível, a fim de fazê-la aceitável aos Protestantes, que estão em revolta.

Por detrás do affair de St. Nicholas du Chardonnet (em Paris) aparece gradualmente todo o problema da Missa Católica. Este problema ainda está para ser resolvido.

Continua.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VII)

Para melhor compreensão, leia também os artigos anteriores da série sobre a Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet.

Fatos e a Verdade

O relato dos eventos em St. Nicholas que apareceu em The Times foi, de maneira geral, justo e factual, e é evidente que seu repórter, Charles Hargrove, estava fazendo todos os esforços para ser objetivo. Mas a matéria abaixo indica a extensão em que uma matéria factual não transparece necessariamente a verdade de uma situação. O porquê disso será explicado depois de reproduzirmos a matéria que apareceu na edição de 24 de abril de 1977.

Oferta a ocupantes de Igreja é rejeitada

De Charles Hargrove – Paris, 22 de abril de 1977.

O

Cardeal Marty, Arcebispo de Paris, fez um gesto de conciliação aos tradicionalistas que ocupam a igreja de Saint Nicholas du Chardonnet desde o fim de Março.

Ele ofereceu-lhes outro lugar para rezar até 4 de julho, quando o senhor Jean Guitton, o filósofo Católico Romano indicado como mediador por uma corte em 1º de abril, apresentará seu relatório. Acrescentou que essa oferta de maneira alguma implicava num reconhecimento de suas reivindicações.

A igreja, mais exatamente St. Marie-Médiatrice, fica na periferia, próximo à Porte dês Lilas, norte de Paris. Esteve sem ser usada por mais de cinco anos, desde a construção do anel viário de Paris. Foi construída pelo Cardeal Suhard, arcebispo da época da ocupação Alemã, como resultado de um voto de erigir um local de culto se Paris fosse poupada da destruição.

O Cardeal Marty anunciou a concessão desta igreja aos tradicionalistas depois de chegar a um acordo com o Sr. Guitton, que relembrou numa declaração na última noite que a data limite estipulada pela corte para a evacuação de St. Nicholas foi prolongada por uma semana até ontem, a seu pedido.

Mas a oferta foi rejeitada na noite de ontem por Mons. Ducard-Bourget, um dos líderes dos tradicionalistas, que disse que processaria o Cardeal perante as autoridades eclesiásticas.

Por 10 anos somos tratados com desprezo”, disse. “Os fiéis de ao menos cinco paróquias vêm às nossas celebrações. Está fora de questão a nossa transferência para uma das mais distantes igrejas de Paris. Que as forças da lei e da ordem venham e nos ponha para fora”.

Numa conferência de imprensa nesta manhã nos escritórios do arcebispo, Mons. Georges Gilson, um bispo auxiliar, expressou seu lamento por esta “oferta generosa” ter sido rejeitada. O Cardeal a fez em “espírito de paz”.

Além do problema jurídico criado pela ocupação de St. Nicholas, o Cardeal estava muito mais preocupado com o conflito religioso no qual os líderes tradicionalistas se opunham à hierarquia Católica, ao Papa e ao Concílio.

Se Mons. Ducaud-Bourget persistisse em sua recusa de deixar a igreja, a justiça tomaria seu curso. Um oficial viria relatar o fato e o braço secular então atuaria como julgasse necessário. Mas parece muito improvável que a força seja usada para expulsar os tradicionalistas.

Mons. Gilson disse que os líderes dos tradicionalistas terão que arcar com suas responsabilidades.

A verdade por detrás dos fatos

A razão pela qual os tradicionalistas rejeitaram a “oferta generosa” do Cardeal Marty é que ela não era em nada uma oferta generosa, e que ele [o Cardeal] deve ter percebido, antes de fazê-la, que eles a julgariam totalmente inaceitável.

A igreja, como nota a reportagem, esteve desativada por cinco anos desde a construção do anel viário de Paris. Se poderia chegar até ela apenas cruzando uma via (freeway) a pé. A área em torno da igreja também é uma das menos salubres em Paris, onde assaltos são predominantes. Também está numa das localizações mais inconvenientes, bem ao norte de Paris, em vez de ser central como é St. Nicholas. Um bom número de Católicos idosos agora reza em St. Nicholas, e ter que pedir a eles que mudem para St. Marie-Médiatrice era uma proposta totalmente impraticável, tão fora da realidade que não se poderia tê-la feito com qualquer expectativa de ser aceita.

Esta é a verdade que os fatos citados na matéria não revelam.

Continua.

O milagre de Saint Nicholas du Chardonnet (VI)

Para melhor compreensão, leia também os artigos anteriores da série sobre a Igreja de Saint Nicholas du Chardonnet.

Uma reportagem no The Times

Por uma interessante coincidência um repórter do The Times visitou Saint Nicholas no mesmo dia. Mostraram-me uma cópia de sua reportagem dias após a minha ter sido despachada ao The Remnant. Essa reportagem refere-se à tentativa de mediação pelo senhor Jean Guitton, da Academia Francesa. Ela apareceu na edição de 13 de abril de 1977.

Ocupantes de igreja ignoram ordem

De Charles Hargrove
Paris, 12 de abril.

Os tradicionalistas Católicos Romanos que ocupam a igreja de St. Nicholas du Chardonnet, no Quartier Latin, desde 27 de fevereiro, esperavam resistir à expulsão hoje. Mas nenhum policial apareceu para cumprir a decisão da corte de Paris de 1º de abril, que lhes deu 10 dias para deixar voluntariamente ou ser expulsos à força se necessário.

As portas principais estavam trancadas contra qualquer ataque surpresa. Alguns poucos jovens visivelmente determinados, vestindo um distintivo do Sagrado Coração, controlavam a entrada pela porta lateral.

Dentro da escura igreja não existia sinal de tensão. Algumas dúzias de fiéis idosos e poucos seminaristas de Ecône, seminário de Mons. Lefebvre, o antigo Arcebispo de Dakar, ajoelhavam-se em oração diante do altar-mor, reinstalados em seu papel pré-conciliar. A hóstia estava exposta num ostensório em meio a uma profusão de flores e velas.

A “mesa de cozinha” no transepto, que desalojou o altar principal na nova liturgia, foi removida.

Uma firme corrente de pessoas entrava, pedindo informações sobre cerimônias e colocando seus nomes na lista de observadores ou doadores de ofertas em apoio à causa tradicionalista.

Cadeiras estavam sendo arrumadas nos corredores de uma das capelas laterais para uma palestra de teologia para denunciar os caminhos da igreja moderna, que se seguiria à missa da noite, na qual Mons. Ducaud-Bourget, o instigador e organizador da ocupação de St. Nicholas, prega.

Nunca houve qualquer possibilidade de ser usada a força para pôr um fim à ocupação da igreja. A corte de Paris que a julgou ilegal e autorizou o pároco, Padre Bellego, a chamar a polícia para cumprir o julgamento, também indicou seu desgosto por tal solução.

Isso, disse o presidente da corte, “criaria uma situação desagradável para todos os envolvidos”. Ele apontou um mediador, Sr. Jean Guitton, da Academia Francesa, o filósofo Católico, a quem foi dado três meses para produzir um relatório.

Depois de encontrar Mons. Ducaud-Bourget, Padre Bellego e o Arcebispo de Paris, Cardeal Marty, sr. Guitton esteve em Roma na última semana para obter a aprovação do Vaticano para uma solução amigável, que o Cardeal Marty recusa a ponderar.

O Cardeal disse recentemente que permitir aos tradicionalistas ter uma igreja própria onde eles possam rezar como quiserem seria chegar a dar aprovação oficial a um cisma.

Amante da tradição, sr. Guitton é também um amigo próximo do Papa, que publicamente o desejou imediato sucesso em seus esforços na Segunda-Feira de Páscoa.

Padre Serralda, um dos quatro ou cinco padres tradicionalistas que atende às necessidades da nova congregação, me disse: “Muitos católicos hoje estão em profunda agonia. Eles não entendem o que está acontecendo em sua Igreja. Os textos conciliares são como as decisões do Papa Paulo VI – são ambíguos. Tudo que pedimos é que todos os ritos e ensinamentos da Igreja devam respeitar a doutrina Católica”.

“Não somos um partido na Igreja. Estamos batalhando pela Igreja, não por nós mesmos. A obrigação de rezar a Nova Missa é baseada numa interpretação abusiva. Ela atribui às ordens papais a mesma autoridade das leis da Igreja, como a Bula de 1570 de Pio V determinando irrevogavelmente para sempre a liturgia da Missa”.

Continua.

Na festa de São Pio X: “A dignidade exterior é mais poderosa do que eloqüentes palavras”

Um padre deve realizar todas as suas ações, todos os passos, todos os hábitos em harmonia com a sublimidade de sua vocação. O padre que no altar celebra os mistérios eternos, assume, como fosse, uma forma divina; assim ele não deve ceder quando desce do Alto Monte e sai do Templo do Senhor. Onde quer que ele esteja, ou em qualquer trabalho que ele realize, nunca deve deixar de ser um padre, acompanhado pela dignidade, sobriedade e decoro de um padre. Ele deve, portanto, ser santo; deve ser sagrado, de forma que suas palavras e trabalhos expressem seu amor, enfatize sua autoridade e imponha respeito. A dignidade exterior é mais poderosa do que eloqüentes palavras… Por outro lado, se ele esquece a dignidade de seu caráter, se não mostra em seu comportamento exterior mais sobriedade do que os seculares, incorre no descontentamento daquelas próprias pessoas que aplaudem sua frivolidade mas não demoram em desprezar tanto a ele como aquilo que ele representa.

Giuseppe Melchiorre Sarto, bispo de Mántua – futuro São Pio X

A casa edificada sobre a areia – Dom Antonio de Castro Mayer

Nossa apreensão aumenta, amados filhos, pelo fato de que a minimalização do papel da inteligência, na conversão do indivíduo, vem acompanhada de muita ênfase ao fator emotivo. Digamos, desde logo, que esta não foi a pedagogia de Nosso Senhor Jesus Cristo, como no-la transmitiu a Tradição da Igreja e consta do Magistério Eclesiástico. Com efeito, a Igreja temeu sempre pelas conversões sem base sólida em princípios firmementes aceitos pela inteligência, que pudessem dar firmeza à vontade no combate às paixões desordenadas e na seqüela do Divino Mestre.

Não quer isso dizer que a Igreja se contentou ou se contenta com a mera aceitação intelectual das verdades reveladas. Não. Ela quer a Fé, que opera pela caridade, como diz São Paulo (Gál., 5,6). Em outros termos: Ela quer que o fiel viva de acordo com a sua Fé, tenha, nesse sentido, uma Fé viva. O fundamento, porém, dessa Fé, na qual se firma a adesão viva a Jesus Cristo, é a aceitação, pela inteligência, da Revelação, e, em primeiro lugar, do fato de que Jesus Cristo é deveras o Filho de Deus feito homem, cujos ensinamentos devem ser acatados, como condição preliminar para agradar a Deus e salvar a alma, porquanto sem esta Fé “é impossível agradar a Deus” (Heb., 11,6; Vaticano I, s. 3, c. 3).

Também não quer dizer que a Igreja despreze a parte sensível da natureza humana. Ela não despreza. Pelo contrário, ama-a com o amor que Jesus Cristo a amou ao assumir nossa natureza. Quer, porém, que ela conserve seu lugar na hierarquia dos elementos que compõem a natureza humana, isto é, a serviço das convicções firmadas nas verdades reveladas. Poderá ela assim auxiliar o apostolado; do contrário, tomando a frente, suas contruções comparam-se às casas edificadas sobre a areia, das quais diz a Escritura que não resistem aos vendavais. Imaginemos um fiel entusiasmado com sua Graça, que de repente é submetido a uma prova de aridez espiritual. Se toda a sua formação teve por base a alegria e o entusiasmo, resistirá ele à prova?

Dom Antonio de Castro Mayer, Carta Pastoral sobre Cursilhos de Cristandade, Ed. Vera Cruz, 1973, pp. 47-51