André Fillipe
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Fenômenos de Ordem Cognitiva - Visões - Explicação da Igreja Católica

1. Visões

Propriamente falando, a visão se refere apenas ao sentido da vista. Pode ser definido dizendo que é «a percepção de um objeto pelos olhos do corpo». Mas, por extensão e analogia, a palavra é aplicada para ver os outros sentidos e até mesmo a inteligência.

Em um sentido amplo, e referindo-as à Mística, podemos, pois, definir as visões que são «percepções sobrenaturais de um objeto naturalmente invisível ao homem»

2. Divisão

Foi Santo Agostinho quem primeiro estabeleceu a divisão que se tornou clássica. No último livro de seu comentário sobre Gênesis, diz o Santo Doutor que as visões podem ser de três tipos: corporais, espirituais (imaginárias) e intelectuais. Ouçamos suas palavras:

«Estes são os três gêneros de visões... O primeiro chamamos de corporal, porque ao corpo percebe e aos sentidos corporais são mostrados. O segundo, espiritual, porque tudo o que não é corpo, mas é algo, é chamado corretamente espírito; e certamente não é um corpo, embora seja semelhante ao corpo, porque é a imagem do corpo ausente... o terceiro, intelectual, como é próprio do entendimento»

Apenas há que se acrescentar que a expressão espiritual — claramente explicada, em oura parte, pelo mesmo Santo Agostinho — foi substituída posteriormente pela de «imaginária», mais precisa e exata.

Esta divisão de Santo Agostinho foi aceita com absoluta unanimidade pelos Padres e teólogos. Santo Tomás fala dela em vários lugares de suas obras, especialmente ao explicar o arrebatamento de São Paulo na Suma Teológica.

Esses três tipos de visões — Meynard adverte — podem ser simultâneos ou sucessivos. Não existe uma ordem absoluta e rigorosa entre elas — Deus pode comunicá-las da maneira que ele quiser — embora exista uma ordem de prioridade e hierarquia. O primeiro lugar corresponde às intelectuais, que são as mais excelentes; depois vêm as imaginárias e, por fim, as corporais, que são as que mais se prestam a ilusões e enganos.

Falaremos um pouco sobre cada uma delas, começando pela mais imperfeita.

A) VISÕES CORPORAIS. Visões externas ou corporais — também chamadas aparições — são aquelas em que o sentido da visão percebe uma realidade objetiva naturalmente invisível ao homem. Não é necessário que o objeto percebido seja, por exemplo, um corpo humano de carne e osso; basta que seja uma forma exterior sensível
ou luminosa.

0 fenômeno da visão corporal pode ocorrer de duas maneiras, como explica Vallgornera: ou pela verdadeira presença de um corpo que impressiona a retina e determina o fenômeno físico da visão, ou em virtude de uma ação imediata exercida por um agente externo no órgão da vista produzir nele as mesmas espécies impressas que produziriam a verdadeira presença do objeto.

B) VISÕES IMAGINÁRIAS. A visão imaginária é uma representação sensível inteiramente circunscrita à imaginação e que se apresenta inesperadamente ao espírito com tanta ou mais vivacidade e clareza que as mesmas realidades físicas exteriores.

Pode ser produzido de três maneiras: a) pela representação ou excitação das espécies ou imagens que já recebemos pelos sentidos; b) por combinação sobrenatural ou preternatural das mesmas espécies adquiridas e preservadas na imaginação e c) por novas imagens infundidas. O demônio pode produzir a visão imaginária dos dois primeiros modos, mas não está em seu poder imprimir na imaginação novas espécies infusas.

A visão imaginária é de ordem mais elevada que a corporal. É mais extensa, podendo representar não apenas coisas presentes, mas também coisas passadas e futuras. Geralmente, é verificada durante o sono, mas também pode ocorrer durante o estado de vigília, sem necessariamente implicar a alienação dos outros sentidos, embora isso seja conveniente --- é também o mais frequente — não confundir os objetos da visão imaginária com que percebem os sentidos externos.

Suas formas mais frequentes são: a representativa (por exemplo, a aparição de um santo) e a simbólica (por exemplo, a do patriarca José observando o sol, a lua e as estrelas virem adorá-lo). De ambas existem numerosos exemplos nas Escrituras Sagradas.

C) VISÕES INTELECTUAIS. 1) Características. A visão intelectual é um conhecimento sobrenatural que é produzido por uma simples vista da inteligência sem Impressão ou imagem sensível. Eles se distinguem das percepções naturais da inteligência pelas seguintes características:

a) Por seu objeto, que normalmente está acima das forças naturais de nosso entendimento, embora possa estar absolutamente dentro de sua esfera. Mas, no último caso, o sobrenatural aparece claramente; a luz que nunca falta ultrapassa as clarezas mais óbvias da razão; É repentino, imediato e não tem trabalho e raciocínio natural lento.

b) Por sua duração. Enquanto as concepções naturais, por mais profundas que sejam, desaparecem muito rápido, as visões intelectuais místicas persistem por um longo tempo; às vezes dias inteiros, semanas e até anos. Ouçamos Santa Teresa, falando de si mesma: «Sei que, temerosa com essa visão --- porque é diferente das imaginárias, que passam depressa; esta dura muitos dias e, às vezes, até mais de um ano —, ela procurou o seu confessor cheia de aflição».

c) Por seus efeitos. Os maravilhosos efeitos que produz na alma são a melhor marca para reconhecer a intervenção divina. A luz que preenche as profundezas da alma, o amor que a faz tremer, a paz inconfundível, o desejo por coisas celestiais, a aversão a tudo o que não é Deus etc. etc. são o melhor testemunho de que se verificou uma iluminação especial e muito superior à natureza.

2) Elementos. A visão intelectual pode ocorrer durante o estado de êxtase, vigília ou sono. E em qualquer um deles, importa sempre dois elementos: o objeto manifestado e a luz que o esclarece. Frequentemente, o objeto da visão intelectual é inefável; as almas não conseguem explicá-lo por não encontrar fórmulas equivalentes na linguagem humana: "... e lá ouviu palavras inefáveis que homem nenhum é capaz de falar", diz o apóstolo São Paulo (2Cor 12, 4).

3) Sua plena certeza e origem divina. A certeza absoluta é um dos sinais mais característicos da visão intelectual. É «nesta oração, sim, sem que vejamos, imprime-se em nós uma evidência tão clara que não me parece haver como duvidar», diz Santa Teresa de Jesus.

Quanto à sua origem, todos os místicos concordam, com Santo Tomás, que a visão intelectual supera toda outra potência, fora da de Deus. «Na visão intelectual», diz
Schram, «somente Deus é a causa principal; nem anjos bons nem maus, nem mediatamente»

Estes são as três classes ou formas de visões. Mas lembre-se de que existem visões que reúnem duas ou três formas ao mesmo tempo. Assim, a visão de São Paulo no caminho de Damasco (At 9) foi ao mesmo tempo corporal, quando viu a luz brilhante com os olhos; imaginária, quando as características de Ananias se manifestavam na imaginação, e intelectiva, quando entendia o que Deus queria dele.

3. Objeto das visões

Pode ser objeto de visão sobrenatural, de uma forma ou de outra, tudo quanto existe: Deus, Jesus Cristo, a Santíssima Virgem, os anjos, os bem-aventurados, as almas do purgatório, os demônios, os seres viventes e inclusive as coisas inanimadas (a cruz, as imagens, as relíquias dos santos, etc.).

Mas deve-se ter em mente que, de acordo com a doutrina de Santo Tomás, as aparições de Jesus Cristo e o mesmo as de Maria não são verificadas por sua presença corporal, mas são puramente representativas e acontecem pelo ministério dos anjos. A principal razão é porque é absolutamente impossível que o mesmo corpo esteja circunscrito em dois lugares ao mesmo tempo --- mesmo na bilocação--- e, portanto, para aparecer corporalmente na terra, teriam que deixar o céu naquele momento, o que é inconveniente. Santo Tomás admite apenas uma aparição corporal de Jesus Cristo a São Paulo no caminho de Damasco. E Santa Teresa diz falando de Nosso Senhor na Eucaristia: "Em algumas coisas que me disse, eu entendi que, depois que subiu céus, nunca desceu à terra, senão no Santíssimo Sacramento, para se comunicar com alguém."

As aparições que têm por objeto ao próprio Deus devem ser entendidas geralmente «por certa espécie de representação da verdade», como diz Santa Teresa. Não por visão intuitiva, reservada para a pátria celestial. Santo Tomás admite a Moisés e São Paulo a visão face a face da essência divina em um êxtase inefável e pela comunicação transitória do lumen glorice.

Quanto às aparições dos anjos, não há dificuldade. O anjo está onde obra. E pode obrar mesmo em um corpo formado por condensação do ar, o que permite que ele seja colorido e modelado, semelhante às nuvens, em forma de figura humana ou de qualquer outra forma. Assim o explica Santo Tomás. Diga-se o mesmo mutatis mutandis das aparições diabólicas, suposta permissão divina.

Os santos, os bem-aventurados e as almas do purgatório também podem aparecer permitindo-o Deus e aparecem de fato muitas vezes. Mas não se apresentam eles com seus próprios e verdadeiros corpos que jazem na tumba ou já se tornaram pó —, mas de maneira semelhante ao que explicamos sobre os anjos: tomam um corpo aparente sem o informar ou vivificar.

Os condenados também podem aparecer com permissão especial de Deus de maneira semelhante à que acabamos de explicar.

As aparições de seres que ainda vivem na Terra representam um problema gravíssimo, que examinaremos ao falar sobre bilocação.

Em resumo: são muito frequentes nas Escrituras Sagradas e na vida dos santos as visões de coisas inanimadas; por exemplo, os quatro animais de Ezequiel, a de São Pedro, a propósito de Cornélio e grande parte do Apocalipse) . Não há dificuldade em explicar. São produzidos por anjos ou demônios na imaginação ou nos sentidos corporais do paciente.

4. Natureza teológica das visões

Tendo estudado o próprio fenômeno, apontado suas classes e especificado seus objetos, é necessário investigar agora a natureza teológica das visões sobrenaturais.

Obviamente, as visões pertencem (per se) ao gênero das graças gratis datæ, redutíveis na classificação de São Paulo à profecia, embora não correspondam exatamente a
ela.

Dizemos que eles pertencem às graças gratis data, porque é evidente que elas não entram como um requisito no desenvolvimento normal da graça, e houve santos que nunca as tiveram. Ainda que não menos indubitável que muitíssimas dessas visões -- e ainda poderíamos dizer que quase todas elas — causam muito bem à alma que as recebe.

No entanto, todos os mestres da vida espiritual são concordes em afirmar que não se deve pedir nem desejar essas graças extraordinárias, por não serem absolutamente necessárias para a santificação e também, acima de tudo, pelos grandes perigos de ilusão a que se expõem, por causa da dificuldade de discernir na prática as verdadeiras das falsas. São João da Cruz chega a dizer que todas devem ser rejeitadas sem mais, mesmo que sejam de Deus. E nisso -- diz -- não há irreverência, porque o fruto intencionado por Deus é produzido instantaneamente na alma antes que ela possa rejeitá-lo. Santa Teresa não vai tão longe e dá regras sábias para distinguir as verdadeiras das falsas, embora avise às almas que se guardem de desejar trilhar esse caminho.

5. Regras de discernimento

Nas visões intelectuais, não há dificuldade, exceto descobrir se é verdadeira visão intelectual ou não, o que também não é muito dificil, dada a firme certeza de que elas levam consigo, como explicamos acima. Porque, como explica Santo Tomás, somente Deus pode penetrar no santuário de nossa alma, pois, tendo estabelecido Deus o estado atual da natureza humana, no qual a alma não pode agir independentemente do corpo, somente Ele pode mudar esse estado, mesmo que momentaneamente, e elevar a alma humana ao nível dos espíritos puros. O entendimento e a vontade escapam, portanto, da ação direta de anjos e demônios.

A dificuldade mais séria está no discernimento das imaginárias e das corporais, uma vez que são campo aberto e livre para todo tipo de interferência diabólica ou da própria imaginação.

Na prática, existe apenas uma norma de discernimento verdadeiramente correta e eficaz: é a indicada por Cristo no Evangelho: «Pelos seus frutos os conhecereis» (Mt 7,16). As visões de Deus geralmente produzem grande medo a princípio, mas depois deixam a alma cheia de amor, humildade, suavidade e paz. Sente que suas forças espirituais são revividas e se entrega com energia redobrada à prática de virtudes heroicas. As do demônio, por outro lado, geralmente começam com suavidade e sabor, mas não tardam exibir seus frutos apodrecidos; a alma se enche de inquietação e confusão, quando não de presunção e soberba. As criações da imaginação terão que ser distinguidas por vaidade, curiosidade, virtude superficial e inconstância e contradição no relato.