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A Suma de Teologia de São Tomás de Aquino, volume 1

PERGUNTA 45 — A MANEIRA COMO AS COISAS EMANAM DO PRIMEIRO PRINCÍPIO

Isto é o que chamamos de criação.

1. O que é a criação?
2. Deus pode criar alguma coisa?
3. A criação é um ser da natureza das coisas?
4. Que seres são criados?
5. Cabe a Deus criar?
6. A criação é comum a toda a Trindade ou específica a uma das Pessoas? 7. Existe vestígio da Trindade nos seres criados?
8. A obra da criação está misturada com as obras da natureza e da vontade?

Artigo 1 — O que é a criação?

Objeções:

1.
Parece que criar não é fazer algo do nada. Com efeito, Santo Agostinho diz: “Fazemos o que absolutamente não existia. Criamos constituindo algo que retiramos do que já existia. ”

2 . O valor da ação e do movimento é estimado a partir de seus termos. Ora, a ação mais nobre é aquela que vai do bem ao bem e do ser ao ser, e não aquela que vai do nada a alguma coisa. Mas a criação parece ser a mais nobre e a primeira de todas as ações. Portanto, não consiste em passar do nada ao ser, mas sim do ser ao ser.

3. Esta preposição “de” implica uma relação causal, especialmente causalidade material, como quando dizemos que uma estátua é feita “de” bronze. Mas nada pode ser a matéria do ser, nem ser de forma alguma a causa dele. Portanto, criar não é fazer algo do nada.

No sentido oposto , no primeiro versículo do Gênesis: “No princípio Deus criou os céus e a terra”, a Glosa diz que criar é fazer algo do nada.

Resposta:

Como dito acima, não devemos considerar apenas a emanação de um ser particular de um agente particular, mas também a emanação de todo o ser da causa universal, que é Deus; e é esta emanação que designamos pela palavra criação. Ora, o que procede de outra coisa por meio de uma emanação particular não está pressuposto nesta emanação; por exemplo, onde um homem é gerado, não havia homem antes, mas o homem vem daquilo que não é homem, e o branco daquilo que não é branco. Assim, quando consideramos a emanação de todo o ser universal a partir do primeiro princípio, é impossível que um ser seja pressuposto a esta emanação. Agora, “nada” significa “não ser”. Portanto, assim como a geração de um homem tem como ponto de partida esse não-ser particular que é o não-homem, também a criação, que é uma emanação de todo o ser, vem desse não-ser que é o nada.

Soluções:

1.
S. Agostinho usa a palavra “criação” de forma equívoca, dependendo se qualificamos como criados os seres que passam a uma forma superior, como dizemos “criar” um bispo. Mas não é neste sentido que falamos aqui de criação, como acabamos de dizer.

2 . As mudanças não derivam a sua natureza e dignidade do prazo de partida, mas do prazo de chegada. Uma mudança é tanto mais perfeita e primordial quanto o fim ao qual ela conduz é ele próprio mais nobre e primordial. É assim que, como tal, a geração é mais nobre e mais primordial que a alteração, porque a forma substancial é mais nobre que a forma acidental; porém, a privação da forma substancial, que é o termo inicial da geração, é mais imperfeita do que o oposto, que é o termo inicial da alteração. Da mesma forma, a criação prevalece na nobreza e na prioridade sobre a geração e a alteração, porque o seu fim de chegada é toda a substância da coisa. Mas o que a mente concebe como ponto de partida é o não-ser absoluto.

3 . Quando dizemos que algo é feito “de” nada, a preposição “de” não designa a causa material mas sim uma simples sucessão, como quando dizemos: Da manhã vem o meio-dia, ou seja, este segue a manhã. Contudo, deve ser entendido que esta preposição “de” pode incluir a negação implícita no facto de eu dizer “nada”, ou então estar incluída nela. No primeiro caso, afirma-se a ideia de ordem, e marcamos a ordem de sucessão a partir do não-ser que o precedeu. Se, pelo contrário, a negação inclui a preposição, então a ordem de sucessão é negada, e o significado é: tal coisa é feita de nada, isto é: não é feita de alguma coisa; como se disséssemos: Este homem não fala de nada, porque não fala de alguma coisa. Ora, estes dois significados são verificados quando dizemos que algo é feito do nada. Mas no primeiro caso, “de” implica uma sucessão, como acabamos de explicar; no segundo caso, implica a relação com uma causa material, que é negada.

Artigo 2 — Deus pode criar alguma coisa?

Objeção:

1.
Não parece que Deus possa criar alguma coisa. Porque, segundo Aristóteles, os filósofos antigos admiravam como axioma universal que nada pode surgir do nada. Ora, o poder de Deus não se estende ao que é contrário aos primeiros princípios; portanto, não pode fazer com que o todo não seja maior que a parte, ou que a afirmação e a negação sejam verdadeiras ao mesmo tempo. Então ele não pode fazer algo do nada, que é criar.

2. Se criar é fazer algo do nada, ser criado é tornar-se algo. Mas tudo o que se torna é uma mudança. Portanto, criação é mudança. Mas toda mudança ocorre num sujeito, como mostra esta definição de movimento: o ato daquilo que existe potencialmente. Portanto, é impossível que algo seja feito do nada por Deus.

3 . O que é feito é necessariamente feito em um determinado momento. Mas não podemos dizer que o que foi criado se fez e foi feito ao mesmo tempo; pois nas coisas permanentes aquilo que se torna não existe, e aquilo que se tornou existe agora, caso contrário algo existiria e não existiria ao mesmo tempo. Portanto, se algo se torna, a sua produção precede aquilo em que se tornou. Mas isso não pode acontecer sem a preexistência de um sujeito que carrega esse devir. Portanto, é impossível que algo seja feito do nada.

4 . Não podemos viajar uma distância infinita. Mas existe uma distância infinita entre o ser e o nada. Portanto, é impossível que algo seja feito do nada.

Pelo contrário , lemos em Gênesis: “No princípio Deus criou os céus e a terra. ”E o Gloss então diz que criar é fazer algo do nada.

Resposta:

Não só não é impossível para Deus criar algo, mas é necessário afirmar que tudo foi criado por Deus, como deduzido do exposto. Pois quem faz algo a partir de outra coisa o faz a partir do que é pressuposto para sua ação, e não é produzido por ela. Assim o artesão trabalha a partir de elementos naturais, como a madeira e o bronze, que não são produzidos por sua ação, mas pela ação da natureza. A própria natureza produz realidades naturais em termos de sua forma, mas pressupõe matéria. Portanto, se Deus agisse apenas a partir de um elemento pressuposto à sua ação, esse elemento não seria causado por ele. Agora, mostramos acima que nada pode existir nos seres que não venha de Deus, a causa universal de todo ser. É necessário, portanto, dizer que é do nada que Deus produz as coisas no ser.

Soluções:

1.
Já vimos que os filósofos antigos consideravam apenas a emanação de efeitos particulares de causas particulares, para as quais é necessário pressupor algo que precede a sua ação. Daí o seu axioma de que nada pode surgir do nada. Mas isto não se aplica à primeira emanação do princípio universal das coisas.

2. A criação não é mudança, exceto de acordo com o nosso modo de concepção. Pois faz parte da razão da mudança que o mesmo ser se comporte de maneira diferente agora e antes. Em alguns casos é o mesmo ser em ato que mudou, como nas mudanças de acordo com a qualidade, a quantidade e o lugar; em outros casos, é apenas o mesmo ser potencialmente, como nas mutações segundo a substância de que o sujeito é matéria. Mas na criação, que produz toda a substância das coisas, nenhum elemento idêntico que agora difere do estado anterior pode ser apreendido, exceto apenas o intelecto; assim entendemos que a princípio uma coisa não existia e que depois existe. Mas como a atividade e a passividade se fundem na realidade comum do movimento, e só diferem de acordo com várias relações, diz Aristóteles, segue-se necessariamente que, se deixarmos de lado o movimento, apenas várias relações permanecerão no ser que cria e naquele que é criado. . Mas como a forma de compreender condiciona a forma de se expressar, a criação se apresenta como uma mudança, e é por isso que dizemos que criar é fazer algo do nada. Contudo, os termos “fazer” e “ser feito” são mais adequados aqui do que “mudar” e “ser mudado”, porque “fazer” e “ser feito” implicam uma relação de causa e efeito e de efeito à causa, enquanto a ideia de mudança só se junta a ela como consequência.

3 . Nas coisas que são feitas sem movimento, o devir e o ter-se tornado são simultâneos; se tal produção é o fim do movimento, como a iluminação (porque é ao mesmo tempo que uma coisa se ilumina e é iluminada), ou se permanece estranha ao movimento, pois é ao mesmo tempo que se forma a palavra mental em nós e já está formado. E nessas coisas, o que se torna é. Mas quando dizemos que se torna, queremos dizer que existe através de outro e que não existia antes. Além disso, como a criação é sem movimento, é simultaneamente que um ser está em processo de criação e foi criado.

4 . Esta objeção procede de uma falsa imaginação, como se houvesse, entre o nada e o ser, um intermediário infinito, o que é obviamente falso. Essa falsa imaginação vem ela mesma do fato de a criação ser apresentada na linguagem como uma certa mutação entre dois termos.

Artigo 3º – A criação é algo na criatura?

Objeções:

1.
Assim como a criação vista passivamente é atribuída à criatura, a criação vista ativamente é atribuída ao Criador. Mas não é algo no Criador, pois seguir-se-ia então que haveria algo temporal em Deus. Portanto, a criação assumida passivamente não é algo da criatura.

2 . Não existe realidade intermediária entre o criador e a criatura. Mas a criação se apresenta como intermediária entre eles. Pois ela não é a Criadora, não sendo eterna; nem a criatura, porque por esta mesma razão seria necessária outra criação, pela qual ela seria criada, e assim até o infinito. A criação, portanto, não é algo.

3 . Se a criação é algo fora da própria substância criada, deve ser um acidente. Mas todo acidente está em um assunto. A coisa criada seria, portanto, sujeito da criação. E assim a mesma realidade seria o sujeito da criação e do seu fim. Isto é impossível, porque o sujeito é anterior ao acidente e o conserva em ser; enquanto o termo é posterior à ação ou paixão da qual é o termo, e assim que existe, a atividade e a passividade cessam. Portanto a criação como tal não é uma realidade.

Pelo contrário , trata-se mais de ser feito segundo toda a sua substância do que segundo uma forma substancial ou acidental. Mas a geração, no sentido estrito ou derivado, pela qual um ser se torna numa forma substancial ou acidental, é algo no ser gerado. Portanto, com muito mais razão, a criação pela qual um ser é feito de acordo com toda a sua substância. , é algo no ser criado.

Resposta:

A criação postula algo no ser criado, mas apenas de acordo com o relacionamento. Na verdade, o que é criado não é feito por mudança ou mutação. Porque o que se faz por mudança ou mutação se faz a partir de um termo pré-existente; é isso que acontece com as produções particulares de certos seres; mas isso não pode acontecer para a produção de todos os seres pela causa universal de todos os seres, que é Deus. Também Deus, ao criar, produz coisas sem mudança. Quando você remove a ação e a paixão da mudança, nada resta além do relacionamento, como acabamos de dizer. Também é necessário que na criatura a criação nada mais seja do que uma relação com o Criador, na medida em que ele é o princípio do seu ser; assim como na paixão, que existe no movimento, está implícita uma relação com o princípio da mudança.

Soluções:

1.
A criação entendida ativamente significa ação divina, que é a sua essência, com relação com a criatura. Mas a relação com a criatura, em Deus, não é real, mas apenas da razão. Já a relação da criatura com Deus é uma relação real, como foi dito ao tratar dos Nomes divinos.

2. Porque a criação é significada como mutação, como acabamos de dizer, e porque a mutação é intermediária entre o princípio motor e o objeto movido, também a criação se apresenta como intermediária entre o Criador e a criatura. Contudo, a criação assumida passivamente está na criatura, e é criatura. Mas isto não exige que seja criado por outra criação; porque as relações, porque o seu próprio ser consiste numa relação com outra coisa, não lhe são referidas por outras relações, mas por si mesmas, como já foi dito ao tratar da igualdade das Pessoas divinas.

3 . Apresentada como mudança, a criação tem como fim a criatura. Mas na medida em que é na realidade uma relação, a criatura é o seu sujeito e precede-a na existência, como o sujeito precede o acidente. Mas tem outro título de prioridade, por causa do objeto a que se refere, e que é o princípio da criatura. Mas isso não implica que digamos da criatura que ela esteja em processo de criação, enquanto existir, porque a criação implica relação da criatura com o Criador, com a ideia de novidade, ou começo.

Artigo 4º — A que seres pertence ser criado?

Objeções:

1.
Parece que ser criado não é propriedade de seres compostos e subsistentes. Com efeito, diz-se no Livro das Causas: “A primeira das coisas criadas é o ser. ”Mas o ser da coisa criada não é subsistente. Portanto a criação não pertence, estritamente falando, a realidades subsistentes e compostas.

2 . Os seres são criados do nada. Mas os seres compostos não surgem do nada, mas dos seus componentes. Portanto, não é adequado que sejam criados.

3 . O que é produzido como tal por uma primeira emanação pré-existe a uma segunda: assim, uma coisa natural, produzida por uma geração natural, é pressuposta às obras dos homens. Mas o que é pressuposto da geração natural é a matéria. Portanto é a matéria que é criada estritamente falando, e não o composto.

Pelo contrário , é dito no início do Gênesis: “No princípio Deus criou o céu e a terra. ”Agora o céu e a terra são realidades compostas e subsistentes. São, portanto, tais realidades que são propriamente objetos de criação.

Responder :

Ser criado é, de alguma forma, tornar-se, como acabamos de ver. Agora, o devir está ordenado a ser. Portanto, os seres a quem é apropriado tornar-se e ser criado são aqueles a quem é apropriado ser. E isto se aplica estritamente aos sujeitos subsistentes, sejam eles simples, como as substâncias separadas, ou sejam compostos, como as substâncias materiais. Com efeito, o ser convém propriamente àquilo que possui o ser e que subsiste no seu ser. Considerando que as formas, os acidentes e outras entidades semelhantes são chamados de seres, não porque existam em si mesmos, mas porque pertencem a outro; assim, a brancura é chamada de ser porque seu sujeito é branco. Além disso, segundo o Filósofo, falamos do acidente com mais propriedade, chamando-o de algo do ser e não de ser. Portanto, acidentes, formas, etc., porque não subsistem, são coexistentes e não seres, e devemos dizer que são concretos e não criados. O que é criado adequadamente são coisas subsistentes.

Soluções:

1.
Quando dizemos que a primeira das coisas criadas é o ser, esta palavra não se refere ao sujeito criado, mas à razão própria sob a qual a criação atinge o seu objeto. Pois diz-se que um ser é criado não pelo facto de ser tal ser, mas pelo facto de ser um ser, uma vez que a criação é a emanação de todo o ser do ser universal, como dissemos. Falaríamos da mesma maneira se disséssemos que o primeiro objeto da visão é a cor, embora o que se vê estritamente falando seja um objeto colorido.

2. A criação não designa a constituição da coisa composta a partir dos seus princípios pré-existentes; mas diz-se que o composto foi criado porque é produzido na existência com todos os seus elementos constituintes.

3 . Este argumento não prova que apenas a matéria é criada, mas que a matéria só existe através da criação. Porque a criação é a produção de todo o ser, e não apenas da matéria.

Artigo 5 — Cabe somente a Deus criar?

Objeções:

1
. Parece que não. Porque, segundo o Filósofo, um ser é perfeito quando consegue produzir um ser que se assemelha a si mesmo. Mas as criaturas imateriais são mais perfeitas do que as criaturas materiais, que podem produzir um ser semelhante a elas, pois o fogo gera o fogo, e o homem gera o homem. Portanto a substância imaterial pode produzir uma substância semelhante a ela. Mas uma substância imaterial só pode ser feita pela criação, uma vez que não existe matéria de que ela seria feita. Então algumas criaturas podem criar.

2. Quanto mais resistência houver ao que está sendo feito, mais poder o executor deverá ter. Mas o oposto resiste mais que o nada. Portanto, é preciso mais força para fazer algo a partir do seu oposto, o que a criatura faz, do que fazer algo a partir do nada. Então algumas criaturas podem criar.

3 . O poder de quem faz algo é avaliado proporcionalmente ao que é feito. Mas o ser criado é finito, como foi provado ao tratar da infinidade de Deus. Portanto, para produzir pela criação algo criado, basta um poder limitado. Mas ter um poder limitado não é contrário à noção de criatura. não é impossível para uma criatura criar.

No sentido contrário , há o que diz Santo Agostinho: “Nem os anjos bons nem os maus podem ser os criadores de nada ”

.

relance, do acima exposto, que criar só pode ser a ação própria de Deus trazer de volta os efeitos mais universais às causas mais universais e mais primordiais. Agora, entre todos os efeitos, o mais universal é o próprio ser. efeito próprio da causa primeira e absolutamente universal, que é Deus. É por isso que também é dito no Livro das Causas que nem uma inteligência nem uma alma, apesar de sua nobreza, dão existência, exceto na medida em que operam através. a. operação divina. Produzir o ser de forma absoluta, e não enquanto é isto ou aquilo, faz parte da própria razão da criação. É, portanto, claro que a criação é ação própria do próprio Deus.

Mas acontece que um ser participa da própria ação de outro, não pelo seu poder, mas por meio de instrumento, na medida em que age pelo poder deste outro; assim o ar é capaz, pelo poder do fogo, de aquecer e queimar. Isto levou alguns pensadores a acreditar que, embora a criação seja o efeito próprio da causa universal, certas causas inferiores, na medida em que agem em virtude da causa primeira, podem criar. E foi assim que Avicena afirmou que a primeira substância separada, criada por Deus, cria outra depois dela, depois a substância do orbe do céu, com sua alma; e que a substância do orbe do céu cria então a matéria dos corpos inferiores. Da mesma forma, o Mestre das Sentenças assegura que Deus pode comunicar à criatura o poder de criar, para que ela crie por delegação e não por autoridade própria.

Mas isso é impossível. Pois uma causa instrumental secundária só participa da ação da causa superior na medida em que, através de um efeito que lhe é específico, atua por disposição para produzir o efeito do agente principal. Portanto, se nada fizesse de acordo com o que lhe cabe, seria inútil utilizá-lo e não haveria necessidade de escolher instrumentos específicos para produzir ações específicas. Vemos assim que um machado, ao cortar madeira, faz o que tem de sua própria forma, e produz a forma de um banco, que é o efeito próprio do agente principal. Ora, o que é o efeito próprio de Deus que cria é o que é pressuposto para todos os outros efeitos, ou seja, ser tomado de forma absoluta. Além disso, nenhum outro ser pode operar nada por meio de disposição e instrumento com vistas a esse efeito, uma vez que a criação não é feita a partir de nada pressuposto que possa ser disposto pela ação do agente instrumental. Portanto, é impossível que qualquer criatura crie, nem pela sua própria virtude, nem pela sua virtude instrumental, nem a título ministerial.

E é particularmente absurdo dizer que um corpo pode criar; pois um corpo só age por contato e movimento; também a sua ação requer algo preexistente à sua ação, que pode ser tocado ou movido, o que é contrário à noção de criação.

Soluções:

1.
Um ser perfeito que participa de uma certa natureza produz um ser semelhante a si mesmo, não produzindo essa natureza tomada de forma absoluta, mas aplicando-a a alguma coisa. Pois este homem não pode ser a causa da natureza humana tomada de forma absoluta, porque então seria a causa de si mesmo; mas é a causa da existência da natureza humana neste homem que ele gerou. E assim ele pressupõe para sua ação a matéria determinada pela qual ele é esse homem. Mas, assim como este homem aqui participa da natureza humana, todo ser criado participa, ouso dizer, da natureza do ser; pois somente Deus é o seu ser, como já foi dito. Portanto, nenhum ser criado pode produzir qualquer ser tomado de forma absoluta, exceto na medida em que causa o ser neste ser; e assim é necessário que aquilo pelo qual algo é esse ser seja entendido como anterior à ação que produz um ser semelhante a ele. Mas, numa substância imaterial, não podemos conceber o que a individualiza como anterior a ela, porque o que a individualiza é a sua forma, que lhe dá ser, visto que são formas subsistentes. Portanto, uma substância imaterial não pode produzir outra substância imaterial semelhante a ela, quanto ao seu ser; só pode produzir uma perfeição acrescida, por exemplo se disséssemos, com Dionísio, que o anjo superior ilumina o anjo inferior. É neste sentido que existe paternidade também no céu, segundo as palavras do Apóstolo (Ef 3,15): (Deus) “de quem toda a paternidade, no céu e na terra, tira o seu nome. ” Disto novamente fica claro que nenhum ser criado pode causar algo sem uma realidade pré-existente, o que exclui a ideia de criação.

2 . Se algo é produzido a partir do seu oposto, é por acidente, diz o Filósofo. Por si só nasce do sujeito onde foi potencialmente encontrado. Portanto, o oposto resiste ao agente, no sentido de que impede o acesso do poder ao ato para o qual o agente se esforça para trazer a matéria: assim o fogo pretende trazer água para um ato semelhante ao seu, e é impedido de fazê-lo pelo forma e as disposições contrárias, que de alguma forma impedem o poder de agir. E quanto mais o poder estiver vinculado, mais força o agente deverá ter para fazer com que o poder aja; também é necessária uma força muito maior no agente se nenhum poder preexistir. Portanto, é óbvio que é preciso muito mais força para fazer algo do nada do que para fazer algo do seu oposto.

3.O poder de um agente não é medido apenas pela substância do que é feito, mas também pela maneira de fazê-lo; porque maior calor não apenas aquece mais, mas também mais rapidamente. Assim, embora causar um efeito finito não manifeste poder infinito, causar esse efeito do nada manifesta poder infinito. Isso decorre da solução acima. Se de fato o agente necessita de uma força que é tanto maior quanto mais distante o poder estiver do ato, o agente que opera sem qualquer poder prévio, como é o caso do criador, deve ter um poder infinito. Pois não há proporção entre aquilo que não tem poder e o poder que o poder de todo agente natural pressupõe. Eles estão entre si como entre o não-ser e o ser; E como nenhuma criatura tem a intimidade do poder, assim como não tem a intimidade do ser, como foi anteriormente provado, resta que nenhuma criatura pode criar.

Artigo 6 — A criação é comum a toda a Trindade ou específica a uma das Pessoas divinas?

Objeções:

1.
Parece que criar é peculiar a uma das Pessoas. Na verdade, o que é primeiro é a causa do que é segundo, e o perfeito é a causa do imperfeito. Mas a processão de uma Pessoa divina é anterior à processão da criatura, e é mais perfeita, porque a Pessoa divina procede de tal maneira que se assemelha perfeitamente ao seu princípio, enquanto a criatura se assemelha imperfeitamente ao seu princípio. Portanto, as procissões das Pessoas divinas são a causa das procissões das criaturas. E assim criar é a característica da Pessoa.

2 . As Pessoas divinas distinguem-se apenas pelas suas procissões e pelas suas relações. Portanto, tudo o que é atribuído de forma diferente às Pessoas divinas lhes convém segundo as suas processões e as suas relações. Mas a causalidade em relação às criaturas é atribuída de diversas maneiras às Pessoas divinas; pois, no Credo Niceno, o Pai é considerado o Criador do universo visível e invisível; atribui-se ao Filho que “por ele todas as coisas foram feitas”; mas ao Espírito Santo, que ele é Senhor e dá vida. Portanto, a causalidade com relação às criaturas convém às Pessoas de acordo com suas procissões e relacionamentos.

3 . Se dissermos que a causalidade em relação à criatura é tomada de acordo com algum atributo essencial que é apropriado a uma das pessoas, isto não parece suficiente. Pois todo efeito divino é causado por qualquer atributo essencial, poder, bondade e sabedoria; e não combina mais com um do que com o outro. Portanto, não devemos atribuir um modo determinado de causalidade a uma Pessoa e não a outra, a menos que tomemos relações e processões como ponto de partida da distinção a ser estabelecida.

Na direcção oposta, Dionísio afirma que os nomes que dizem respeito à causalidade são comuns a toda divindade.

Resposta:

Criar é propriamente causar ou produzir o ser das coisas. Como todo agente produz um ser semelhante a si mesmo, o princípio da ação pode ser julgado a partir do seu efeito: assim o fogo gera fogo. E é por isso que criar convém a Deus segundo o seu ser, que é a sua essência, comum às três Pessoas. Portanto, a criação não é específica de uma das Pessoas, mas comum a toda a Trindade.

Contudo, as Pessoas divinas, dependendo do motivo da sua processão, têm causalidade no que diz respeito à criação das coisas. Como mostramos anteriormente, ao lidar com a ciência e a vontade de Deus, Deus é a causa das coisas pela sua inteligência e pela sua vontade, como é o caso do artesão para os produtos da sua arte. Já o artesão opera segundo a palavra concebida em sua inteligência, e pelo amor que sua vontade tem pelo seu trabalho. Também Deus Pai produziu a criatura através do seu Verbo, que é o Filho; e pelo seu Amor, que é o Espírito Santo. Desta forma, as procissões do Povo são a razão da produção das criaturas, na medida em que incluem os atributos essenciais da ciência e da vontade.

Soluções:

1.
Acabamos de dizer que as processões das Pessoas divinas são a causa da criação.

2 . A natureza divina, embora comum às três Pessoas, convém-lhes, no entanto, numa certa ordem, na medida em que o Filho recebe a natureza divina do Pai, e o Espírito Santo a recebe de ambos. Da mesma forma, o poder de criação, embora seja comum às três Pessoas, convém-lhes numa certa ordem, porque o Filho o tem do Pai, e o Espírito Santo do Pai e do Filho. Portanto atribuímos o nome de Criador ao Pai, como a alguém que não deriva o poder criativo de outro. Do Filho, diz-se que tudo foi feito por ele, na medida em que tem o mesmo poder, mas recebido de outro, porque a preposição “por” designa ordinariamente uma causa intermediária, ou um princípio ele mesmo fluindo de 'um princípio. Quanto ao Espírito Santo, que detém este mesmo poder das outras duas Pessoas, é-lhe atribuído governar e vivificar, como Senhor, o que o Pai criou por meio do Filho.

Uma razão geral para esta atribuição pode ser novamente encontrada de acordo com a forma como os atributos essenciais são apropriados às três Pessoas. Como vimos anteriormente, o poder que se manifesta sobretudo na criação é apropriado ao Pai, e é por isso que se atribui ao Pai ser o Criador. Ao Filho é apropriada a sabedoria pela qual todo agente inteligente opera, e por isso se diz dele: “por quem todas as coisas foram feitas”. Finalmente nos apropriamos do bem ao Espírito Santo, e cabe a ele governar conduzindo as coisas aos fins que lhes são devidos, e dar vida, porque isto consiste numa espécie de movimento interno e que o que primeiro dá movimento é o fim e o bem.

3 . É verdade que todo efeito vindo de Deus procede de qualquer um de seus atributos. No entanto, cada um de seus efeitos remonta a esse atributo com o qual tem afinidade segundo sua própria razão. Assim atribuímos a ordem das coisas à sabedoria divina, a justificação dos ímpios à misericórdia e a bondade que se difunde superabundantemente. Quanto à criação, que é a produção da própria substância das coisas, ela se resume ao poder.

Artigo 7º - Existe vestígio da Trindade nos seres criados?

Objeções:

1.
Parece que não é necessário encontrar na criação um vestígio da Trindade. Porque cada ser se oferece à investigação através dos seus vestígios. Mas a Trindade das Pessoas não pode ser descoberta a partir das criaturas, como foi estabelecido anteriormente a. Portanto não há vestígios da Trindade na criação.

2 . Tudo na criatura é criado. Portanto, se encontrarmos numa criatura um vestígio da Trindade devido a esta ou aquela das suas propriedades, e se tudo o que for criado oferecer um vestígio da Trindade, será necessário que em cada uma destas propriedades encontremos um vestígio de a Trindade, e assim por diante indefinidamente.

3 . O efeito representa apenas sua causa. Mas a causalidade das criaturas pertence à natureza comum da Trindade, e não às relações pelas quais as Pessoas são distinguidas e contadas. Portanto não encontramos na criatura um vestígio da Trindade, mas apenas da unidade da essência divina.

No sentido contrário , segundo Santo Agostinho, “aparece na criatura um vestígio da Trindade”.

Responder :

Todo efeito representa de alguma forma sua causa, mas de forma diferente. Às vezes o efeito representa apenas a causalidade da causa, mas não a sua forma. É assim que a fumaça manifesta o fogo, e tal representação é chamada de vestígio; pois a pegada manifesta o movimento de quem passou, sem revelar a sua natureza. Mas outro efeito representa a causa porque tem uma forma semelhante à desta causa: o fogo gerado representa o fogo de onde veio, e a estátua de Mercúrio representa este. Tal representação é uma imagem.

Ora, as procissões das Pessoas divinas acontecem segundo os atos da inteligência e da vontade, como vimos anteriormente; pois o Filho procede como o Verbo da inteligência, e o Espírito Santo como o Amor da vontade. Portanto, nas criaturas dotadas de razão, que têm inteligência e vontade, encontramos uma imagem da Trindade porque encontramos nelas uma palavra que é concebida e um amor que procede.

Mas em todas as criaturas encontramos uma representação da Trindade a título de vestígio, no sentido de que encontramos nelas algo que deve necessariamente estar relacionado com as Pessoas divinas quanto à sua causa. Com efeito, cada criatura subsiste no seu ser, tem uma forma que determina a sua espécie e tem uma ordem em relação aos outros seres. Portanto, como substância criada, representa a sua causa e o seu princípio, e assim manifesta a pessoa do Pai que é um princípio sem princípio. Por ter forma e espécie determinadas, representa o Verbo, pois a forma da obra de arte vem da concepção do artista. Conforme ordenado a outros, representa o Espírito Santo como é Amor, porque a ordem de um efeito em relação a outra coisa vem da vontade do Criador.

É por isso que Santo Agostinho diz que encontramos em cada criatura um vestígio da Trindade, conforme seja um ser dotado de unidade, seja formado por alguma espécie e ocupe uma determinada categoria. É a isso também que se resume esta tríade: número, peso e medida, de que fala o livro da Sabedoria (11.20); porque a medida diz respeito à substância de uma coisa limitada pelos seus princípios, o número à espécie, o peso à ordem. A isto surge novamente outra tríade proposta por Santo Agostinho: modo, espécie e ordem; e ainda este outro: “O que é constituído, o que é distinto, o que é apropriado. ”Na verdade, uma coisa é constituída pela sua substância, distingue-se pela sua forma, é adequada a outra coisa pela sua ordem. É assim que podemos unificar facilmente essas diferentes categorias.

Soluções:

1.
A representação por modo de vestígio é feita de acordo com os atributos apropriados; por este meio podemos, das criaturas, ascender à Trindade das Pessoas, como acabamos de dizer.

2. A criatura é, no sentido literal, a realidade subsistente, na qual podemos encontrar estas três características. Não é necessário encontrá-los em cada um dos elementos que nele estão, mas, segundo esta tríplice representação, o vestígio é atribuído à realidade subsistente.

3 . As procissões do Povo são também, de certa forma, causa e razão da criação, nos moldes que foi dito.

Artigo 8º - A obra da criação está misturada com as obras da natureza e da vontade?

Objeções:

1.
Parece que a criação se mistura com as obras da natureza e da arte. Em toda operação da natureza ou da arte há produção de uma determinada forma. Mas não é produzido a partir de alguma coisa, pois a matéria não faz parte de si mesma. Portanto, é produzido do nada. E assim, em toda produção da natureza ou da arte, há criação.

2 . O efeito não é mais poderoso que a sua causa. Mas na natureza todo ser age através de sua forma acidental, ativa ou passiva. Portanto, nenhuma forma substancial é produzida pela natureza. Resta, portanto, que seja por criação.

3 . A natureza produz um ser semelhante a si mesma. Mas nem tudo o que é gerado na natureza é gerado por um ser semelhante a ele, como vemos nos animais gerados pela putrefação. Portanto a sua forma não vem da natureza, mas da criação. E é o mesmo para os outros.

4 . O que não é criado não é uma criatura. Portanto, se a criação não estiver relacionada com as produções da natureza, seguir-se-á que as obras da natureza não são criaturas, o que é herético.

No sentido oposto , S. Agostinho distingue a obra de propagação, que é uma obra da natureza, da obra de criação.

Resposta:

Este problema surge por causa da questão filosófica das formas. Alguns filósofos pensavam que não tinham como princípio a ação da natureza, mas que existiam anteriormente na matéria, em estado latente. Mas este erro deve-se à sua ignorância da matéria, porque não sabiam distinguir entre potência e ato: porque as formas potencialmente preexistem na matéria, pensavam que preexistiam como tais.

Outros pensaram que as formas são dadas ou causadas por um agente separado, pelo modo de criação. Assim, a criação seria acrescentada a cada operação da natureza. Mas esse erro se deve ao desconhecimento da forma. Pois eles não prestaram atenção ao fato de que a forma natural de um corpo não é uma realidade subsistente: é aquilo pelo qual algo existe. Além disso, como o ser feito, o ser criado, a rigor só convém a um ser subsistente, como foi dito anteriormente, as formas não são feitas nem criadas, mas cabe a elas concretizar-se. O que é feito, estritamente falando, pela ação da natureza é o ser composto, feito de matéria. Além disso, nas obras da natureza, a criação não interfere, mas é pressuposta na operação da natureza.

Soluções:

1
. As formas começam a agir quando o composto é feito; entretanto, eles não são feitos por você mesmo, mas apenas por acidente.

2 . Na natureza, as qualidades ativas atuam em virtude de formas substanciais. E é por isso que o agente natural produz um ser que se assemelha a ele não só pela qualidade, mas também pela espécie.

3 . Para gerar os animais inferiores, basta um agente universal, que é o poder dos corpos celestes, ao qual são assimilados não segundo a espécie, mas segundo uma certa analogia. Portanto, não é necessário que os seus formulários sejam criados por um agente separado. Mas quanto à geração de animais superiores, não basta um agente universal: é necessário um agente próprio, cuja geração seja unívoca.

4 . A operação da natureza sempre pressupõe princípios criados e, portanto, os produtos da natureza são chamados de criaturas.