André Fillipe
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JESUS CUROU DOENÇAS OU EXPULSOU DEMÔNIOS?

Como podemos verificar, um dos elementos da luta de Jesus contra Satanás são precisamente os exorcismos dos quais não se pode duvidar historicamente, como já vimos. Para falar deles, levantam-se problemas e questões que é necessário esclarecer.

Nos Evangelhos há três alusões indiretas aos exorcismos de Jesus (MC 1,32-34; Mt 8. 16; LC 4,40-41) e quatro narrações diretas dos mesmos (Mc 1,21-28 par.; Mc 5, 1-20 e par.; Mc 7,24-30 e par.; Mc 9,14-29 e par.). Nestas narrativas, Jesus dirige-Se ao diabo em termos diretos e pessoais: «Sai daí, digo-te, sai daí para fora».

Devemos entender estes casos de endemoninhados como reais ou antes como uma interpretação de fenômenos psíquicos a partir da cultura daquele tempo? Entramos, assim, na questão.

A grande quantidade de possessos que aparecem nos relatos do Novo Testamento, não se pode atribuir, disse Schlier, a um exagero tendencioso dos evangelistas: «Esta grande multidão encontra a sua explicação nos próprios evangelistas, que deixam entender que com o aparecimento do obediente, Cristo, o diabo toma consciência de ser sacudido e de ser levado

«"Que queres Tu de nós, Filho de Deus?", disse o endemoninhado de Gerasa. É o demônio que se apercebe da chegada do éscaton (...) e do começo do fim da sua tirania».

Talvez tivesse interesse apresentar uma fenomenologia dos casos. Nalguns desses casos não se poderá falar de uma possessão evidente, mas existem outros em que Jesus se confronta pessoalmente com o demônio.

No que se refere às curas de Jesus, em primeiro lugar, existe uma série de textos, em que se fala apenas de doenças concretas, sem as atribuir a nenhum poder sobrenatural. São casos em que se fala simplesmente termos médicos. Citemos, por exemplo, os casos da sogra de Pedro, atormentada por uma febre alta, o caso do paralítico de Cafarnaúm, o caso do homem da mão seca e o caso dos leprosos, etc.

Por outro lado, existem textos nos quais, ao mesmo tempo que se fala de possessão, se acaba por dizer, apenas, que foram curados por Cristo. São casos em que não se pode concluir que se trate de uma autêntica possessão diabólica. Um caso deste gênero é o da mulher encurvada, da qual se diz que estava com um espírito que a tornava doente (LC 13, 11). Contudo, Jesus limita-se a dizer: «Mulher, estás livre da tua doença» (LC 13, 12). Portanto, trata-se de doenças que não apresentam evidências de que sejam uma possessão. Seria importante apresentar também alguns tipos de doenças mentais.

Neste sentido, diz também Gozzelin que evidentemente em casos como em LC 8,2 («algumas mulheres que tinham sido curadas de espíritos maus e de doenças») não é possível distinguir se se trata de uma simples doença ou de uma verdadeira possessão.

Mas há um terceiro grupo de casos em que Cristo realiza a cura com a consciência de Se confrontar com o demônio. Tomemos como exemplo o do endemoninhado da sinagoga de Cafarnaúm (Mc 1,27-28). O endemoninhado disse: «Que queres de nós?». Jesus Cristo confronta-se pessoalmente com o demônio: «Cala-te e sai dele!». É aqui que se manifesta claramente a ideia expressa por Schlier: O demônio é que observa a chegada do éscaton e não se resigna a perder o seu poder.

Continuando com Schlier, diríamos que o que o demônio realiza nestes casos é uma obra de corrupção e de destruição da criação. E o que Fórster, diz: o demônio ao tomar posse de alguém, destrói a imagem de Deus que esta pessoa traz consigo por causa da criação. Nestas condições, o eu pessoal fica paralisado por forças estranhas que procuram a destruição do homem. Na paralisia do eu, continua Fôrster, os espíritos inserem-se como sujeito que fala. Em contrapartida, a ação de Jesus face a eles acontece como uma ação do Reino: os demônios são expulsos com o poder de Deus, e não com a magia.

Os endemoninhados, continua Fórster, não são pessoas a quem se oferece a opção pelo Reino, mas «indivíduos a quem a potente palavra de Jesus liberta de um poder que escraviza a sua existência pessoal».

O demônio estende também o seu poder sobre a natureza e a história, e entra até no meio religioso, na medida em que, vivendo no coração dos homens, distorce o verdadeiro significado da religião. E este o caso dos sacrifícios aos ídolos, que Paulo (1 Cor 10,19ss) apresenta na realidade como sacrifícios oferecidos aos demônios. O poder do demônio exerce-se também em todos os campos, fazendo deles a sua casa e a sua morada.

É assim, afirma Gozzelin, que se faz a distinção entre verdadeiras enfermidades e a possessão diabólica, Gozzelino observa também que Jesus realiza o exorcismo de uma maneira nova, não através de um ritual como faziam os judeus, mas com uma palavra cheia de autoridade com a qual expulsa os demônios. É a autoridade desse eu enfático que também vemos na realização dos seus milagres: «Eu te ordeno, levanta-te» (Mc 1,40-45) e a autoridade única com que ensina: «Ouvistes o que foi dito aos antigos, Eu porém digo-vos» (Mt 5,21ss).
André Fillipe
Obviamente, Jesus fez as duas coisas!