Resenha do Livro “O Pensamento de Santo Tomás”, de Louis Jugnet, pelos padres dominicanos de Avrillé.

Segue a tradução de uma breve resenha crítica feita pela comunidade religiosa dos Dominicanos de Avrillé1 do livro “O Pensamento de Santo Tomás”, de Louis Jugnet2, que aborda o pensamento de Santo Tomás, considerado na sua perspectiva pedagógica de combate aos erros modernos. Um excelente livro, inclusive elogiado pelo Papa Pio XII3, sendo futuramente disponibilizada algumas partes de sua tradução neste espaço.

Le Sel de la Terre, nº 35, pg. 236-239

O Pensamento de Santo Tomás

As Nouvelles Éditions Latines reeditaram este livro de introdução a Santo Tomás de Aquino, um dos melhores manuais deste gênero, que se tornou um "clássico".

Esta edição é dita "revista e corrigida". Parece que o texto é o mesmo da primeira edição de 1948, exceto o apêndice bibliográfico que foi atualizado. No entanto, as notas de rodapé foram modificadas por Jean-Claude Absil4, e infelizmente não é possível, a menos que se compare com a edição anterior, saber o que é de Louis Jugnet (falecido em fevereiro de 1973) e o que é de seu revisor. Algumas notas denominadas N.d.E. são em grande parte de Jugnet (por exemplo, a nota 9, página 212, ou a nota 10, página 220), enquanto outras notas, onde este sigla não aparece, foram modificadas de maneira significativa (por exemplo, a nota 10, página 212).

Quando foi publicado pela primeira vez, este livro chamou a atenção de Pio XII, que quis encorajar seu autor:

Quando seu livro “O Pensamento de Santo Tomás de Aquino” foi publicado, ele me escreveu, na data do Sábado Santo de 1950: "Recebi do Vaticano uma carta de duas páginas, muito explícita e muito favorável (“O Santo Padre especialmente apreciou... O Santo Padre deseja dizer-lhe... Ele notou particularmente, etc...”) terminando com “uma bênção especial para minha família tão cruelmente provada”. Os críticos mais exigentes têm certeza de sua autenticidade. Parece que o Santo Padre quis ele mesmo o texto a meu respeito no Osservatore Romano"... Mais tarde, em 24 de janeiro de 1958, ele me informou sobre um encontro com o cardeal Ottaviani: “Fui recebido em setembro, de forma emocionante em sua espontaneidade afetuosa, pelo cardeal Ottaviani, que eu não via há algum tempo. Aprovação categórica e incondicional de todas as minhas atividades: “Tudo o que você faz é exatamente o que deve ser feito. Persevere a todo custo.” (Testemunho do Padre Delbos, MSC, publicado nos Les Cahiers de Louis Jugnet III, página 20).

Reconheçamos que, à primeira vista, um livro como este pode assustar. O título poderia esconder, de fato, uma exposição fria e pesada, uma linguagem difícil reservada apenas para iniciados. Quando o abrimos, a impressão é totalmente diferente. Nada do professor que nos sobrecarrega com o peso de sua ciência, nem do pesquisador que nos perde no labirinto de seus desenvolvimentos. Ao contrário, dessas páginas emana uma impressão de facilidade, de posse tranquila da verdade, de explicação segura e clara. Algo como uma conversa familiar, um ensino bem adaptado.

É que Louis Jugnet não é apenas um professor de filosofia, é um mestre. Ele não se contenta em fornecer um conhecimento doutrinário, ele educa, transmite uma vida. É isso que dá ao seu livro o ar de um encontro amigável. O mestre convidou seu discípulo à sua casa, fala com ele, desperta sua curiosidade, fortalece suas convicções, encoraja seu trabalho, adivinha suas dúvidas, responde a elas em profundidade, comunica-lhe seu amor pela verdade e sua devoção a Santo Tomás.

O autor nos adverte ele mesmo: “Sabemos que nos reprovarão por termos insistido nos temas que mais preocupam o homem moderno em vez de termos feito uma reconstituição histórica e literal de uma doutrina do século XIII. Essa reprovação, nós a aceitamos de bom grado, certos de que nosso mestre (Santo Tomás) aprovaria nosso esforço de entrar em contato com o leitor em vez de fazermos uma obra de erudição narrativa e arqueológica” (página 204). Este caráter muito particular da obra explica quais são os seus destinatários, o plano e a atualidade.

Os destinatários

São os homens de boa vontade que, diante da maré de dúvidas e erros que é o pensamento moderno, querem se colocar na escola de Santo Tomás e se impregnar de sua sabedoria. Louis Jugnet nos deixa à vontade imediatamente. Às "pessoas desejosas de se informar objetivamente", ele propõe oferecer "uma boa iniciação geral que não seja nem um trabalho de erudição, nem uma obra de vulgarização no sentido pejorativo do termo; que saiba ir ao fundo das questões, atingir o essencial dos princípios, ao mesmo tempo permanecendo clara e assimilável para o homem honesto" (páginas 9-10).

O plano

Como bom pedagogo, o autor começa por definir seu assunto e defender a própria existência de sua disciplina. O que é a filosofia tomista? Uma filosofia cristã é mesmo possível? Dois erros devem ser evitados. Por um lado, o erro daqueles que separam absolutamente a religião da razão: “Para o racionalismo universitário, a própria ideia de uma filosofia cristã é um absurdo.” Falemos então da filosofia de Aristóteles e da teologia de Santo Tomás, mas não da filosofia tomista.

Por outro lado, o erro que consiste em fazer desaparecer todo o pensamento humano na fé: pode-se dizer que Tomás de Aquino, o santo, o teólogo, o doutor comum da Igreja, tinha uma doutrina filosófica própria? Não é uma injúria afirmar isso? Toda a sua obra não é antes uma meditação teológica?

Esta questão dá ao nosso autor a oportunidade de fazer um estudo notável das relações entre razão e fé e concluir com nuance: “Somos, da nossa parte, resolutamente contrários ao que se convencionou chamar de “agostinismo” (confusão entre filosofia e fé), bem como a um “separatismo” brutal entre religião e filosofia. Nós admitimos... as “consolidações subjetivas” (no sentido etimológico) da filosofia pela fé e pela teologia (a expressão é de J. Maritain). Mas talvez devêssemos marcar mais a autonomia da pesquisa filosófica” (página 35).

Depois desta boa introdução, o plano da obra, admitamos, torna-se desconcertante e até decepcionante para um tomista experiente. Nosso autor acredita ser bom, de fato, começar seu estudo pela questão do "valor e natureza do conhecimento". Teria ele caído na armadilha da problemática idealista? Teria sido influenciado, apesar de tudo, pelo inimigo que combatia? Pois começar a filosofia pela crítica do conhecimento é dizer que o conhecimento do próprio pensamento é, no homem, anterior ao seu conhecimento do real; é lançar uma dúvida (pelo menos metódica) sobre a capacidade da inteligência e pretender que o pensamento pode se livrar disso; é suspender todo o edifício do conhecimento humano na “ideia” considerada em si mesma; é se encerrar em um círculo vicioso e, em última análise, negar a prioridade do real sobre o pensamento.

Não se preocupem, Louis Jugnet é do tomismo mais fiel e mais clarividente. Não nos detenhamos na tabela de matérias, abramos o livro e deixemo-lo se explicar:

“Reconhecemos de bom grado que a crítica do conhecimento não deveria vir, em boa escolástica, no início de uma exposição geral. Sendo um conhecimento reflexivo (em sentido amplo), ela pressupõe um saber já constituído, (...) é uma metafísica defensiva, assim como a apologética é uma teologia defensiva e justificativa” (página 40). Portanto, ela deve vir depois da metafísica.

Por que então se afastar da ordem tradicional? É que nosso autor queria fazer um trabalho de filósofo com toda a serenidade. Queria afastar de uma vez as objeções e os mal-entendidos que surgem nas mentes modernas. Queria se livrar desde o início dos sofismas que envenenam a vida intelectual.

“Muitos dos nossos leitores teriam prestado apenas uma atenção curiosa, talvez, mas cheia de suspeitas, às nossas construções especulativas” (página 40). Vê-se, é porque ele é um mestre que educa (ou reeduca) que o autor se permite essa audácia, enquanto o professor em uma aula magistral não poderia fazê-lo. Ele quer responder aos preconceitos idealistas de uma vez por todas e não mais voltar a eles. Sua metodologia é uma terapia.

Feita esta crítica, o autor pode conduzir seu aluno com segurança pelos grandes temas da filosofia.

Que caminho escolher? O do ser, simplesmente. O autor resume em uma palavra a sabedoria tomista: “Se tivéssemos que recapitular em uma palavra a totalidade desta exposição sistemática, desta valorização do pensamento tomista, diríamos de bom grado que, para nós, se o tomismo apresenta um interesse privilegiado para o pensamento, é porque ele é verdadeiro para o essencial” (página 205). Verdadeiro, portanto, conforme ao real; verdadeiro, porque não pretende ser outra coisa senão uma leitura do real, uma leitura do ser. Portanto, é ao real que cabe guiar nosso percurso.

— O primeiro ser que se apresenta à nossa experiência é a realidade física. Daí um primeiro estudo sobre a filosofia da natureza. Os seres materiais, o vivo, o homem composto de alma e corpo.
— O conhecimento do concreto existente dá à inteligência o desejo de se elevar mais alto. Ela quer descobrir o ser enquanto tal (o que é “existir”?), as leis íntimas do ser. Além da filosofia da natureza vem, portanto, a metafísica.
— No topo da escala dos seres, encontra-se a causa de todo ser, o Ser que não pode não ser, o Ser absoluto, o Real, Deus. No auge da metafísica aparece então a teologia natural: o que é Deus? Ele existe? O que podemos conhecer?
— Deste auge, precisamos voltar ao homem em sua relação com Deus, em seu movimento em direção a Deus. Isso é a moral, a política.

Este vasto painel tem a aparência de uma viagem à descoberta do ser, do real, com suas armadilhas, as emboscadas dos inimigos, as falsas pistas a evitar. Cada vez são os problemas mais espinhosos que são abordados e resolvidos com segurança. O autor nos havia avisado antes de começar: “A fidelidade a princípios e a uma ortodoxia constitui, acredite em nós – e especialmente no mundo atual –, a fonte mais inesgotável de aventuras de todos os tipos, de problemas complexos e penosos, sem monotonia nem conformismo estéril” (página 37).

A Atualidade

Um último traço desta síntese tomista que nos encantará e nos estimulará ao trabalho é sua atualidade. Isso emerge novamente do caráter pessoal da obra. Assim como um pai deve proteger seu filho contra os perigos da vida, Louis Jugnet coloca seu leitor diante dos grandes problemas do nosso tempo: Razão e fé - o ceticismo - o idealismo - ciência e filosofia - a constituição da matéria - a existência de Deus - a liberdade - felicidade e prazer - a consciência - o regime político...

Ele revela então, nessas circunstâncias, outro traço de seu caráter, a saber, uma alma de soldado. Ele é um verdadeiro líder de guerra, um "tomista de combate5".

Como seu mestre São Tomás, nenhuma objeção o amedronta, nenhuma oposição o desanima. Ele está tão tomado pela verdade que sabe que ela é capaz de reduzir a nada qualquer erro e permanece tranquilamente sentado sobre a rocha.

Vejamos, por exemplo, como ele ataca de frente a trilogia maçônica e revolucionária "Liberdade, igualdade, fraternidade".

“A liberdade, para ele (Santo Tomás), é apenas a possibilidade de o homem exercer sua atividade em vista do bem, e não o direito de fazer qualquer coisa, desde que (dizem) não perturbe o corpo social.
A igualdade, para ele, é a dos filhos de Deus... e não um ideal atômico e numérico de assimilação, onde qualquer um faria qualquer coisa de qualquer jeito.
A fraternidade, é para ele o amor de Deus em primeiro lugar; e depois, (amor) do próximo em Deus, com o respeito pela verdade e por seus direitos, não um abraço sentimental insano que confunde o assassino e a vítima, o santo e o pecador, o sim e o não, pronto a exterminar, em um impulso filantrópico, quem quer que não conceba assim o amor à humanidade (páginas 202-203).”


Concluamos com uma advertência: este livro não é nem um romance, nem um artigo de jornal, nem uma história em quadrinhos. É uma ferramenta de trabalho.

Para o homem sempre apressado, ou ávido de "cultura" midiática, é melhor abster-se. Em contrapartida, aquele que não tem medo do esforço, que está resolvido a colocar-se na escola de um mestre e, por meio dele, a deixar-se impregnar pela sabedoria tomista, esse não ficará desapontado.

Que ele se sente à sua escrivaninha, lápis em mão, se possível. Que não se desanime na primeira dificuldade, que não hesite em reler, em reservar para mais tarde tal passagem mais obscura. Esse é o preço dessa "sã e robusta filosofia" que o autor promete (página 8).

Dominicus

Louis JUGNET, La Pensée de saint Thomas, Paris, NEL, 1999, 244 p.

1
Le Sel de la terre n° 35, Hiver 2000-2001, p. 236-239, disponível em: seldelaterre.fr/…cension-de--louis-jugnet-la-pensée-de-saint-thomas

2
Louis Jugnet (1913 – 1973), Filósofo tomista e professor que exerceu grande influência no movimento tomista no século XX. Para um maior conhecimento de sua biografia, ler: medium.com/…sta-louis-jugnet-gustavo-d-zorbi-trad-2388518030db

3
Testemunho do Padre Delbos, exposto na resenha do livro.

4
Esta precisão não é fornecida no livro, mas Jean Madiran a menciona em sua resenha publicada no Présent de 18 de março de 2000.

5
Foi assim que Pierre Mesnard o chamou em um artigo publicado na France catholique de 19 de fevereiro de 1954. Publicado nos Cahiers de Louis Jugnet I.